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A decisão de Moro

Lúcio Flávio Pinto - 01/11/2018

Haveria dois motivos para o juiz Sérgio Moro aceitar o convite de Jair Bolsonaro para ser o ministro da Justiça do governo que o presidente eleito está formando.
Um, positivo, é o anunciado fortalecimento da pasta, que voltaria a comandar toda área de segurança pública, incluindo a Polícia Federal. Michel Temer transferiu a PF para a órbita da secretaria extraordinária, que ele criou e entregou a Raul Jungmann, seu aliado político. A PF é o principal instrumento de ação da Operação Lava-Jato. Assim Moro, poderia dar mais efeito prático imediato ao combate à corrupção, aceitando o ministério, ao invés de aguardar passivo o resultado das investigações, no escaninho do judiciário.
Outro, negativo, derivado da vaidade e do carreirismo, seria a oportunidade que se abre para um juiz singular de abreviar e facilitar o caminho para alcançar a mais alta corte da justiça, sem precisar passar por etapas de instâncias colegiadas intermediárias. Em 2020, Moro poderia ser indicado por Bolsonaro para a vaga que se abrirá no Supremo Tribunal Federal, com a aposentadoria do decano do STF, Celso de Mello.
Qualquer que seja o motivo para Moro aceitar o convite de Bolsonaro, durante o encontro que terão agora de manhã, no Rio de Janeiro, o juiz da 13ª vara criminal da justiça federal de Curitiba cometerá um erro na perspectiva do interesse público e da história do país. Esse erro não terá um efeito real para trás, obrigando a uma reanálise do que ele fez como o principal personagem da Lava-Jato.
A correção dos seus atos no exercício da sua jurisdição está assegurada pelo conteúdo das sentenças que proferiu nos autos dos processos, sobretudo na ação que já resultou na condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fato inédito nos anais brasileiros. A história desses atos está à disposição de quem quiser avaliá-la pelos documentos já produzidos.  É prova material suficientemente sólida para sobreviver a questionamentos, atuais e futuros.
Ainda assim, Sérgio Moro estará oferecendo elementos para argumentações críticas que irão explorar a evidente inconveniência de o magistrado passar a integrar o governo de um político que se beneficiou amplamente da mística anticorrupção da Lava-Jato. Ela foi a principal motivação da maioria dos eleitores que foram às urnas para impedir a volta do PT ao poder, por responsabilizá-lo tanto pela precária situação econômica do Brasil como pela maior onda de corrupção da sua história.
Foi uma dose assustadora de ilicitudes, tanto em função do seu volume quanto da sua qualidade, combinando uma ação sistêmica do corruptor (simbolizada pelo "departamento de operações estruturadas" da Odebrecht) quanto pela má novidade de uma organização criminosa atuando no aparelho estatal vinculada a partidos políticos numa engrenagem subterrânea e extensa.
Além disso, já é hora de os magistrados reprimirem suas manifestações fora dos autos e tratarem de bem cumprir suas carreiras, privilegiadas no universo das funções estatais por vantagens que só se justificam se eles exercerem uma função compatível com essa diferenciação em relação aos demais servidores públicos. A prática anterior, de total restrição de sua atividade à instrução processual, que colocava o juiz numa torre de vidro, inacessível às demandas dos jurisdicionados, foi substituída pelo seu extremo: juízes que falam demais em entrevistas à imprensa ou em outras formas de manifestações públicas antes de decidirem nos processos.
A atitude de Moro é prejudicial ao retorno a esse ponto de equilíbrio e fere a integridade da Lava-Jato no seu curso. Ao invés de optar por buscar um novo campo de atuação para a realização dos seus ideais ou a súbita e precoce subida ao topo do judiciário, o juiz deveria pensar na importância do que já fez e na maior relevância ainda do que poderia vir a fazer como responsável pelo processamento judicial da pior onda de corrupção já documentada da história do Brasil. Se decidir errado, como parece que fará, estará diminuindo o seu papel nesse decisivo capítulo da inscrição de valores éticos e morais na vida pública do país por componentes deletérios do fator humano, demasiadamente humano.




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