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Quem matou Paulo Francis?

Lúcio Flávio Pinto - 15/10/2018

Ruy Castro, o maior contador de histórias da imprensa brasileira e dos mais agradáveis biógrafos do país, dedica a sua crônica de hoje na Folha de S. Paulo (reproduzida pelo Diário do Pará) aos 88 anos que Paulo Francis teria feito, no dia 2. Ele morreu em Nova York, onde morava, em 1997, aos 66 anos. O fulminante infarto que sofreu teria sido provocado “por um processo que lhe moveu um presidente da Petrobras, que ele chamara de ladrão”.

Um leitor, Peter Janos Wechsler, comentou: “Ele morreu por ter dito a verdade, e os ladrões continuam vivos e soltos”.

Francis não disse a verdade. Disse que Joel Rennó e todos os integrantes da diretoria da Petrobrás eram ladrões e que tinham contas em paraísos fiscais. Disse, mas nada provou. Quando ele fez a enfática e grave acusação, “ao vivo”, no programa Manhattan Connection, Lucas Mendes, mais experiente em matéria de apuração jornalística, tentou imediatamente atenuar a afirmativa. Francis, porém, insistiu e reafirmou o que dissera, alto e bom som.

Como qualquer repórter poderia prever, sem provas, Francis seria processado. Por represália, os executivos o levaram às barras da justiça de Nova York, que costuma ser implacável na aplicação das penas de indenização por dano moral ou material e é menos suscetível aos “por fora”.

Sabendo que não tinha provas e temendo perder seu patrimônio, Paulo Francis recorreu ao seu amigo Fernando Henrique Cardoso. O presidente tentou demover Rennó da iniciativa, mas o presidente da Petrobrás manteve a ação. A condenação era inevitável. Angustiado e em choque, Francis teve o infarto e, ao que parece, não foi bem atendido pelo seu médico particular.

Seu desaparecimento abriu um espaço único no jornalismo brasileiro até hoje não preenchido, apesar do surgimento de tantos imitadores. Mas ele nunca foi repórter. Escrevia tão bem e tinha um conhecimento tão personalizado dos acontecimentos que não se dava ao trabalho de checar criteriosamente os fatos, princípio indispensável para verdadeiros repórteres.

Daí a história que se conta da cobertura de um encontro dos representantes dos países produtores de petróleo na Europa. O repórter (depois deputado federal) Hermano Alves seguia pelo lobby do hotel para participar da entrevista coletiva que os membros da Opep iam dar. Cruzou então com Francis, que descia do elevador para o café da manhã barbeado, altissonante e perfumado como filho de barbeiro.

– Aonde você está indo? – perguntou, com seu vozeirão de ator.

Hermano respondeu indicando a coletiva. De bate-pronto, Francis retrucou que não iria. Tudo que seria dito não era novidade para ele.

Hermano ia continuar a trajetória, mas parou, se virou e pediu ao colega:

– Francis, você me faz um favor?

Cordial e atencioso, Francis se colocou à disposição. Hermano arrematou:

– Francis, segura o mundo pra mim enquanto eu estiver na coletiva.

Rennó e seus associados na Petrobrás não tiveram a mesma consideração. Afinal, foram chamados de ladrões, sem as meias palavras e os subterfúgios que Lucas Mendes tentou introduzir no édito real do trono de Paulo Francis.

Alguns dos ladrões referidos e outros tantos mais continuam vivos, mas nem todos estão soltos – graças à Operação Lava-Jato, defeitos e falhas à parte.

Como se costuma dizer nestas ocasiões, paz à alma de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, o Francis. Ele merecia viver mais.




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