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Uma usina de dólares

Lúcio Flávio Pinto - 13/10/2018

Num único dia de outubro de 1973, os países árabes produtores de petróleo, envolvidos em mais uma guerra com Israel, elevaram o preço do barril de petróleo de três dólares para US$ 5,12. O reajuste, de 70%, provocou o primeiro choque do petróleo. Em março do ano seguinte, o barril já estava em US$ 12 (em torno de US$ 60 atuais), valorização de 400%. O mundo mudaria aceleradamente a partir daí.
Quatro meses antes, o governo brasileiro criou a Eletronorte, subsidiária – para atuar na Amazônia – da Eletrobras, que então detinha o monopólio estatal da energia. No ano anterior, a potência de todo parque gerador de energia da região, constituído por velhas usinas termelétricas a diesel, era de 276 megawatt, correspondentes a menos de 2% da capacidade instalada no país.
Em 1975, a Eletronorte começou a construir a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará, que viria a ser, a partir da sua inauguração, em 1984, a maior hidrelétrica inteiramente nacional (ao custo de mais de 10 bilhões de dólares). Uma única das suas 23 turbinas gera 30% a mais do que toda energia instalada na Amazônia em 1972.
Muita energia era necessária não para atender o consumo doméstico, mas para abastecer os empreendimentos de grande porte que viriam a se instalar na nova fronteira, oriundos de outras partes do Brasil e, principalmente, do exterior. Os mais importantes eram os minérios, identificados pelo maior levantamento de recursos naturais já realizados no Brasil, o Projeto Radam, na primeira metade dos anos 1970, o período do “milagre” brasileiro (crescimento do PIB em torno de 10% ao ano).
O maior dos projetos derivados dos minérios era uma fábrica de alumínio acertada entre os governos do Japão e do Brasil, que seria a maior do mundo e continua a ser a maior consumidora individual de energia do país, com mais de 1% do consumo total brasileiro (e uma vez e meia o de Belém do Pará).
Quando foi a Tóquio, em 1974, para assinar os documentos de constituição do polo de alumínio e alumina de Barcarena, o general-presidente Ernesto Geisel levou para os seus parceiros japoneses as diretrizes do II Plano de Desenvolvimento da Amazônia. Capítulo do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), o II PDA estabeleceu como sua principal meta fazer a Amazônia crescer a uma taxa superior à da média nacional.
A nova fronteira mundial se voltaria para o exterior, com produtos intensivos em energia (o mais eletrointensivo de todos é o alumínio), com matriz mineral, competitiva o bastante para gerar volumes expressivos de dólar, assegurando mercados quase cativos. O mais importante seria o próprio Japão. Ferido gravemente pelos sucessivos choques nos preços do petróleo a partir de 1971, o Japão fechou as suas 41 fábricas de petróleo e abriu a maior delas a 20 mil quilômetros, no Pará.
O estado se tornou o quinto maior exportador do país, o segundo em saldo de divisas, o terceiro maior produtor e o segundo maior exportador de energia para o mercado interno. E também um dos mais violentos e desiguais, entre negócios de alta tecnologia e capital intensivo e assustadores bolsões de pobreza. Certamente em função desses contrastes, o único Estado fora do Nordeste que deu vitória ao candidato do Partido dos Trabalhadores à presidência da república.
O II PDA permanece em pleno vigor, apesar de formalmente ter terminado o seu alcance em 1979. Desde então, oito presidentes da república se sucederam, um deles ainda na ditadura, o seguinte da própria Amazônia Legal (o maranhense José Sarney), de diferentes partidos, de variadas retóricas.
Nem mesmo o primeiro dos oposicionistas a chegar ao comando da nação mudou essa diretriz. Eleito em 2002, Lula elogiou o governo do general Geisel. Disse que pretendia seguir um modelo de planejamento como o que foi adotado pelo prussiano general na Amazônia – e assim fez ao longo dos seus oito anos de mandato.
Mais à esquerda, Dilma Rousseff não o alterou. Michel Temer, que a substituiu graças ao impeachment da titular do cargo, menos ainda. Não se há de esperar que, se eleito, o petista Fernando Haddad mude os rumos da ação federal na região. Seu adversário, Jair Bolsonaro, certamente será ainda mais fiel à matiz em pleno uso há meio século.
Identificado com a ideologia fecundada nos quarteis, o capitão reformado do Exército promete incrementar a dinâmica das frentes de expansão econômica pela redução das formas de amortecimento das agressões econômicas, sociais e ecológicas dos empreendimentos produtivos, que substituíram a floresta por pastagens e plantios de soja, e o nativo pelo colonizador.
Será uma grave intensificação dessa agressão, mas não mudará, na essência, o que continua a ser a intenção do governo central num país ainda mais dividido territorialmente: fazer da Amazônia uma usina de dólares, a partir da exploração intensiva da sua energia – conforme já estava escrito no primeiro choque do petróleo.
(Publicado no site Amazônia Real)




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