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País sem civilização

Redação - 03/09/2018

Lúcio Flávio Pinto.

 

A queda da ponte Morandi, em Gênova, no mês passado, e o incêndio de ontem que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o mais antigo e mais importante do país, unem Itália e Brasil na algaravia do mundo latino. Ao ver o cenário da ponte que desabou, qualquer ser dotado de racionalidade sofreu um estupor: um país como a milenar Itália, uma das principais fontes da cultura ocidental, permitiu que a ponte fosse construída naquele local, passando por cima de conjuntos residenciais, e a deixou entrar em colapso, insensível a anos de queixas e denúncias sobre o risco de um acidente, que, afinal, matou menos pessoas (43) do que o cenário do desastre sugeria (intervenção divina para suprir a omissão humana?).

Ontem, apanhado de surpresa pelas imagens das labaredas intensas, altas e vivíssimas, que consumiam o Museu Nacional, na outrora idílica Quinta da Boa Vista, só teve tempo de sentar e acompanhar em transe o que acontecia. Ironia punitiva, a destruição se consumou menos de quatro meses depois que a instituição, uma das raras do Brasil de importância mundial, completou 200 anos. Já não havia motivos para comemorar nada em maio.

Comono caso da ponte italiana (e de milhares de obras de infraestrutura espalhadas pela Europa), o estado de abandono clamava aos céus por resposta. Finalmente, o BNDES, de cujos cofres saíram (e foram dilapidados) bilhões de reais para criar multinacionais e bilionários brasileiros com pés de barro e mãos de lama, se comprometeu a aplicar míseros 22 milhões de reais (troco de propina no âmbito da corrupção na Petrobrás) para que o rico museu não estivesse tão vulnerável.

Ontem, depois que o público (média mensal de 20 mil visitantes) saiu e os portões foram fechados, restaram no enorme palácio quatro agentes de segurança e nenhum esquema anti-incêndio minimamente crível para enfrentar o voraz incêndio, que destruiu quase tudo em poucas horas. Levará tempo para saber tudo que foi destruído, o valor da destruição e dimensionar o que será preciso fazer para que a instituição renasça, se tal é possível.

O episódio é um atestado do desprezo dos brasileiros pelos valores de uma civilização, sem os quais nenhuma nação se estabelece como tal. Pitonisas, profetas e julgadores que surgem depois de uma tragédia dessas só aumentam a sensação de perda, impotência e desconsolo, dando mais tempero amargo à desesperança brasileira em véspera de eleição geral.




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