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O golpe dos bilhões na justiça do Pará

Lúcio Flávio Pinto - 04/01/2018

Créditos: Desembargadoras Marneide Merabet e Vera Sousa foram punidas pelo Conselho Nacional de Justiça

Foi só por negligência e imprudência em decisões que tomaram sobre 3,3 bilhões de reais que as desembargadoras Marneide Merabet e Vera Souza foram punidas pelo CNJ? A aposentadoria compulsória de ambas encerra essa incrível história, a de maior valor na história do judiciário brasileiro?

Uma das mais escabrosas e inacreditáveis histórias da justiça do Pará foi concluída no dia 12 de dezembro de 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça, à unanimidade, condenou as desembargadoras Marneide Trindade Pereira Merabet e Vera Araújo de Souza à pena de aposentadoria compulsória pela conduta negligente em uma tentativa de golpe bilionário aplicada por uma quadrilha de estelionatários ao Banco do Brasil, em 2010.

A história começou com uma ação surpreendente proposta pelo advogado de Francisco Nunes Pereira, de usucapião especial. Mas a propriedade que ele pretendia garantir para si não era um imóvel, rural ou urbano, como seria de se esperar. Sua ação era inédita: ele pretendia se apossar de 2,3 bilhões de reais (R$ 3,3 bilhões em valor atual). Alegava que essa fortuna estava na sua conta havia três anos. Não sabia quem fizera o depósito. Mas pedia à juíza que recebesse a ação e a deferisse.

A juíza (hoje desembargadora) Vera Araújo de Souza, sorteada para receber o processo, não hesitou: de imediato, apenas quatro dias depois de distribuída a ação, instruída exclusivamente por cópias, e sem que o inacreditável valor em causa provocasse qualquer suspeita. Em liminar, sem consultar a parte, nem o Ministério Público, determinou que o Banco do Brasil se abstivesse de movimentar os R$ 2,3 bilhões, que pertenciam ao autor do usucapião. O não cumprimento acarretaria a multa de R$ 2 mil diários.

Foi um corre-corre no banco, que despachou seus advogados para um contato com a juíza da 5ª vara cível do fórum de Belém. Eles lhe mostraram a falsidade do extrato bancário, fabricado por quadrilha especializada em golpes contra a instituição bancária.

Tentativas semelhantes aconteceram no Distrito Federal, Santa Catarina, Alagoas e outros Estados, apenas com pequenas variações no modo de agir, através de procuradores diversos e a prática de acostar-se apenas cópias documentais ao feito. A fraude já fora reconhecida em sentença nos autos de processo semelhante que tramitou na justiça do Distrito Federal.

Na conversa, a juíza admitiu que deu a decisão por “pressão de cima”. A pressão sofrida “advém da necessidade de despachar o alto número de processos conclusos às varas e gabinetes”, informou depois, em sua defesa no CNJ. Acrescentou que não jogaria fora cerca de 33 anos de magistratura. Não se pronunciou sobre o pedido de reconsideração formulado pelo banco.

Além de notificar a polícia civil do fato, o banco recorreu através de um instrumento chamado agravo regimental, juntando a sentença da justiça de Brasília. Relatora do caso, a desembargadora Marneide Merabet indeferiu o pedido do BB de suspender o efeito da sentença de primeiro grau. Mesmo com a cópia da decisão judicial anexada aos autos, exigiu que o Banco do Brasil comprovasse o que já fizera: que se tratava de uma fraude e que o dinheiro alegado não estava depositado nas contas do autor da ação.

Sem decisão favorável no âmbito do tribunal, o banco formulou queixa à corregedora nacional de justiça. A ministra Eliana Calmon, do CNJ, deferiu a liminar e determinou a suspensão da ordem de bloqueio. Ela observou que as magistradas não se portaram com a prudência, serenidade e rigor técnico que o Estatuto da Magistratura, o Código de Ética da Magistratura e o caso requeriam, diante da farta documentação sobre a prática de fraude, atestada em sentença judicial anterior.

No curso da instrução da ação, foi constatado que o nome da desembargadora Marneide Merabet e do marido dela constavam da agenda telefônica do autor da demanda.

Com a quebra do sigilo telefônico dos investigados, durante o inquérito instaurado junto ao Superior Tribunal de Justiça para apurar suposta prática de crime de corrupção passiva por parte das duas magistradas, foi localizado um contato telefônico de Marneide com o autor da demanda e com o advogado que atuou nos autos antes da distribuição do feito.

Já a Receita Federal detectou indícios de movimentação financeira irregular por parte da desembargadora Merabet em 2010.

Oito dias depois da concessão da liminar, o advogado Antonio Carvalho Lobo, que representou o autor da ação, protocolou o pedido de desistência à juíza Vera Araújo. Intimado a se manifestar, o Banco do Brasil apresentou sua concordância, mas sem prejuízo das providências necessárias de ordem penal e administrativa. A juíza então homologou a desistência.

Na defesa da sua associada, a Associação dos Magistrados Brasileiros acusou o banco de agir de má-fé, ao aceitar o fim da ação, mas continuar a cobrar providências, e de acusar a juíza de ter desconsiderado laudo e decisão provenientes da justiça do Distrito Federal porque tanto o laudo como a somente foram apresentados nas petições de defesa,

 

 

A gravidade deste caso

muito maior que parece

Os textos a seguir tomaram por base o voto do corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Francisco Falcão, dado em 2011, que serviu de base para a punição das duas magistradas. Apesar do desfecho da história, parece que prevaleceu a posição corporativa de encerrar tudo com a maior das punições no âmbito do judiciário, que é a aposentadoria compulsória (com uma pensão de aproximadamente 30 mil reais), sem aprofundar a investigação.

No seu voto, o relator do processo, André Godinho, observou que a juíza não usou de cautela e prudência, exigidas em uma inusitada ação de usucapião de dinheiro. “Nota-se exacerbada negligência da magistrada no seu dever de cumprir e fazer cumprir com serenidade e exatidão todas disposições legais, seja ao deferir a medida liminar nas condições já descritas, seja ao quedar-se inerte face às irregularidades a ela relatadas”.

Para o relator, a desembargadora demonstrou “falta de prudência e cautela”, “manifesta negligência” e “parcialidade” na condução do procedimento judicial dotado de peculiaridades, conduzido por organização criminosa contra o sistema financeiro nacional.

Na verdade, as provas produzidas na apuração dos fatos mostram que no episódio houve má fé. Uma punição exemplar na área penal poderia inibir outros casos semelhantes na justiça do Pará, como espero demonstrar nestas reconstituições dos autos do inquérito.

PALAVRA DA DESEMBARGADORA

Na defesa que fez no CNJ, a desembargadora Vera Araújo de Souza alegou que, no exercício do cargo, recebeu os autos e analisou o pleito à luz do Código de Processo Civil e do Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que recomenda cautela em processo em que se discute relação de consumo.

Afirmou que em um primeiro momento foi induzida a erro pelos membros da quadrilha, acreditando na boa-fé do autor e do advogado que atuou na demanda.

Asseverou que “jamais poderia a magistrada Vera Araújo de Souza estranhar os valores com que lhe aportara o pedido de liminar, uma vez que o autor juntou extrato bancário (que somente foi desconstituído após prova complexa)”.

Aduziu que a sua decisão não causou qualquer prejuízo ao Banco do Brasil e que o CNJ não pode imiscuir-se no livre convencimento do magistrado.

Alegou que a procuração outorgada nos autos da ação de usucapião excepcionou o advogado apenas da prática dos atos de recebimento de valores, dar quitação ou fazer acordo.

Alegou que o uso da expressão “pressão de cima” está sendo covardemente manipulado pelos advogados do Banco do Brasil e que as medidas decretadas nos autos do Inquérito n° 822/DF não lograram constatar qualquer elo entre a juíza e os membros da quadrilha.

DECISÕES INACREDITÁVEIS

Uma pessoa, cujo comportamento suspeito vinha sendo divulgado pela imprensa desde o ano de 2007, ingressa com uma ação de usucapião de dinheiro. Argumenta que foi efetuado um bilionário depósito em sua conta corrente há mais de três anos, sem contestação judicial ou extrajudicial, e pede, ao final, que seja reconhecida a sua propriedade sobre essa quantia.

Distribuído o feito, a magistrada que recebe a ação concede liminar inaudita altera pars [sem ouvir a outra parte] determinando que o Banco do Brasil se abstenha de movimentar R$ 2.307.777.919,43 (dois bilhões, trezentos e sete milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezenove reais e quarenta e três centavos), sob pena de multa diária.

Cabe realçar que a então magistrada de primeiro grau, em sua liminar, afirma categoricamente e por duas vezes que o dinheiro existe e que o autor tem direito sobre o numerário. Confira-se:

“Considerando a existência de fumus boni iuris (direito do autor de garantir os valores depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil) bem como o periculum in mora (prejuízo do autor se houver movimentação de mais valores), defiro o pedido de liminar para que o Banco do Brasil se abstenha de realizar qualquer movimentação no valor de R$ 2.307.777.919,43 depositado nas contas do requerente sob pena de multa diária de R$ 2.000,00” .

A falta de cautela permite, inclusive, que terceiros sejam induzidos a erro quanto à efetiva existência do dinheiro nas contas do autor da ação (já que o fato foi afirmado pela magistrada), propiciando indevidas cessões de crédito, tal como suscitado por Luiz Roberto de Barros Araújo, em petição juntada aos autos quatro dias antes da juíza homologar o pedido de desistência, formulado por Juarez Correia dos Anjos.

Ainda em relação à falta de cautela, tem-se que a incomum ação de usucapião de dinheiro de origem desconhecida foi proposta por terceiro com base em substabelecimento de procuração que lhe concede poderes para praticar gigantesco número de atos, inclusive movimentar os supostos bilhões de reais que o autor afirmava existir.

Interposto agravo de instrumento por parte do Banco do Brasil, a desembargadora Marneide Merabet decidiu o recurso sem a prudência exigida para todo magistrado e, por meio de decisão proferida com parca fundamentação, confirmou a decisão liminar anterior, exigindo da instituição financeira a produção de prova negativa.

Constatou-se também outra situação que revelou proceder incompatível com o que se espera de magistrado, qual seja, a afirmação feita pelo Banco do Brasil de que a Vera Araújo de Souza estaria sofrendo “pressão de cima”.

Mesmo diante de laudo pericial e da sentença proferida pela justiça do Distrito Federal, que atestavam a falsidade dos documentos juntados com a inicial, a juíza postergou o exame do pedido de reconsideração formulado pelo Banco do Brasil, submetendo ao ônus de ter que provisionar a quantia discutida na demanda para o caso de eventual decisão judicial que determinasse a liberação do montante.

A desembargadora Marneide Merabet, na mesma data em que Vera Araújo de Souza homologou o pedido de desistência, formulado na ação de usucapião, revogou a decisão anteriormente proferida e atribuiu efeito suspensivo à decisão da magistrada de 1º grau. Essa cautela poderia ter sido adotada de ofício pela juíza, quando estava de posse dos documentos que revelaram a tentativa de golpe na justiça do Distrito Federal.

Nem se alegue má-fé por parte do Banco do Brasil ao formular pedido de providências perante o CNJ, já que, à época do protocolo do pedido no órgão, o processo ainda estava em trâmite, a decisão liminar prolatada por Vera Araújo de Souza encontrava-se em vigor (tendo sido confirmada pelo TJ/PA) e o perigo enfrentado pela instituição financeira permanecia latente.

BILHÕES IRRELEVANTES

Diálogo travado durante o depoimento da desembargadora Vera Araújo De Souzano inquérito no Superior Tribunal de Justiça:

Subprocuradora-Geral da República – A senhora se deu conta que mais ou menos dois bilhões de reais ele [o autor da ação] seria quase um sócio, aliás, seriam sócios do Banco do Brasil?

Depoente – Eu só poderia saber disso depois que o Banco do Brasil se manifestasse.

Subprocuradora-Geral da República – Não. Quando a inicial veio, ele pediu dois bilhões e alguma coisa e a senhora deferiu o bloqueio sem nenhum questionamento de dois bilhões, não me lembro o restante, que seria uma sociedade da pessoa com o Banco do Brasil. Quer dizer, não é uma coisa lógica.

Depoente – sim.

Subprocuradora-Geral da República – Ou é comum?

Depoente – Não. Comum, jamais”.

A FALSA PRODUTIVIDADE 

Quando inquirida no inquérito sobre o fato de ter levado quatro dias para proferir a decisão liminar que impediu o Banco do Brasil de transferir o valor de R$ 2 bilhões, declarou que essa era a rotina adotada na 5ª vara cível da comarca de Belém e que “minha produtividade, tanto na vara quanto no desembargo, a maior produtividade era a minha.”.

Verifica-se, porém, que no mês de outubro de 2010 havia 867 processos aguardando andamento há mais de 100 dias e 3.706 processos na vara da qual a juíza era a titular, No mês de novembro de 2010 havia 915 processos aguardando andamento há mais de 100 dias e 3.796 processos na vara. No mês de dezembro de 2010 havia 1.034 processos aguardando andamento há mais de 100 dias e 3.819 processos na vara.

Apesar de esses números indicarem elevado número de feitos aguardando andamento há mais de 100 dias, a então juíza concedeu a liminar pleiteada nos autos da ação de usucapião especial de dinheiro em apenas quatro dias.

 

O RISCO FINANCEIRO

A concessão da liminar em favor dos autores criou situação temerária para o Banco do Brasil e para o sistema financeiro nacional, pois ao determinar que a instituição bancária se abstivesse de movimentar a quantia de mais de R$ 2 bilhões, teria que reservar referida quantia como forma de se precaver de futura decisão. Ela poderia ser favorável ou desfavorável, sem falar na insegurança jurídica gerada pela decisão, pois demonstra que qualquer petição bilionária será atendida sem prévia e segura análise.

O maior temor do banco era de que os agentes que montaram a ação de usucapião especial cedessem para terceiros o suposto crédito reconhecido em decisão liminar proferida pela juíza, criando situação de risco para o BB e para o sistema financeiro nacional.

O intento da suposta quadrilha era o de tornar aparentemente legítima, com chancela judicial, situação inexistente, qual seja, de que os valores discutidos na demanda de usucapião de fato existiam.

 

UM ABALO MAIOR

Depoimento de Solon Mendes da Silva, advogado do Banco do Brasil que atuou na ação de usucapião, no inquérito no STJ:

Ministra Eliana Calmon – Gostaria que o senhor narrasse sobre este caso deste bloqueio que houve de dois bilhões em favor de Francisco Nunes Pereira por um advogado, Antônio Lobo, e que depois se descobriu que era uma quadrilha que já tinha estado aqui em Brasília e que depois foi lá para o Pará e posteriormente verificou-se que havia uma certa ligação entre alguns membros do poder judiciário do Estado do Pará com estas pessoas. O que o senhor sabe sobre este caso.

Depoente – Francisco Nunes Pereira, que tinha vários apelidos, conhecido pela Diretoria de Segurança do Banco do Brasil, também por já haver intentado outras vezes contra o patrimônio da empresa. O que chamou a atenção então é que, com base apenas em cópias, os autos estavam compostos por cópias apenas, as quais não demandavam uma análise mais acurada, para que pudéssemos perceber que se tratavam de documentos falsos, inclusive com erros grosseiros de português, essa documentação tinha sido utilizada em Belém e, assim, num curto espaço de tempo, não recordo exatamente os dias, mas foi no início de novembro, como se fosse numa quarta, de uma quinta até uma segunda-feira, havia sido deferida essa liminar, e isso nos preocupou.

A primeira articulação nossa foi reunir o pessoal da segurança e montar uma caravana para que fossemos conversar com a juíza e demonstrar que o judiciário estaria sendo utilizado por essa quadrilha para fins escusos. Fomos conversar com a magistrada e fomos recebidos por ela, apresentamos, mostramos a documentação toda, explicamos detalhadamente como a quadrilha agia, as conexões que o banco já conhecia dessa quadrilha com outras atuações no país.  Saímos de lá bastante aliviados, porque entendemos que havíamos resolvido a situação.

Ministra – Ela se mostrou surpresa?

Depoente – Ela nos ouviu atentamente. “Eu gostaria que vocês peticionassem e vou analisar isso adequadamente”. Lembro umas passagens assim que ela falou com mais, que ficaram marcadas: olha, esses autos vão reaparecer [os autos não estavam em cartório], e eu tenho 33 anos de magistratura – ou algo assim – e não vou jogar pela janela, não vou jogar fora por conta disso, vou analisar. E assim fizemos, assim fizemos. Colocamos no papel, fizemos uma notícia-crime na sequência, fizemos um pedido de reconsideração, o jurídico local agravou, só que nenhuma dessas medidas surtiu efeito.

Ministra – Então, não havia a possibilidade de os autos estarem no Banco do Brasil e vocês não saberem?

Depoente - Muito estranho, muito estranho, porque se estivessem com os advogados, teriam nos dito, imagino, a não ser que tenha havido algum erro de comunicação. Inclusive os advogados que nos acompanharam, se eu bem me lembro, eles diligenciaram pelos autos em cartório, ou seja, é de supor que não estivessem com eles.

Depoente – A questão de fundo é a seguinte: esse dinheiro nunca existiu, não existia esse dinheiro. Então, se você me perguntar, eu vou ter que dizer não, porque o dinheiro não existiu, mas aquela decisão criava uma expectativa de que tivesse existido, uma aparência, ela induzia, poderia induzir incautos a entender que aquele dinheiro teria existido. Essa foi a preocupação do banco.

Ela não é tão inócua assim quanto pode parecer a uma primeira vista. E dentro desse mercado de preocupações, em que essas quadrilhas compram, vendem, aplicam golpes e fazem cessões desses créditos, isso se torna muito preocupante, porque, com certeza, apareceria dali a pouco alguém dizendo que adquiriu aqueles dois bilhões depositados na conta tal, já resguardados pela decisão da 5ª vara.

Lendo aqui, tenho mais claramente a preocupação nossa. Ou seja, o que nos chamou a atenção é que ela diz o seguinte “qualquer movimentação no valor de dois bilhões, depositado nas contas”. Então, ela está dizendo que o valor está depositado. Ela está dizendo que existe. Então, aqui, ela criou o valor. Se ela criou o valor, o próximo passo é a quadrilha, de algum modo, conseguir uma transferência para não sei onde, é correria, é advogado pegando avião, é loucura, para a gente tentar reverter a decisão. Esse é o passo a passo da quadrilha.

Qual é a nossa preocupação aqui? No dia seguinte, vai lá e tira um extrato. Tem dez centavos. Aí, ele vai lá na juíza. Olhe aqui, o banco está descumprindo. Era pra ter dois bilhões e trezentos e tem dez centavos na minha conta. Eu quero multa, eu quero não sei o que, eu quero...Esse é o problema. Ela diz “...qualquer movimentação de dois bilhões depositado nas contas”. No dia seguinte ele tira um extrato, está zerado, e aí começa a se criar um valor que nunca existiu.

 

SILÊNCIO SOBRE BILHÕES 

Depoimento da desembargadora Marneide Merabet no STJ:

Subprocuradora-Geral da República – Então, quer dizer que o dinheiro de um banco em que, apesar de tudo, o maior acionário é a União Federal, a senhora acha que uma parte tem mais direito que toda a sociedade brasileira, que ela tem mais razão para movimentar uma quantia de dois bilhões de reais? Dois bilhões de reais! A senhora se dá conta que é praticamente o PIB do Estado?

Depoente – Eu deixo de responder.

 

SEM CONTATO

A partir da quebra de sigilo telefônico, soube-se que Antonio Carvalho Lobo (advogado que assinou a ação de usucapião especial) ligou por 20 vezes para o número supostamente utilizado pela Desembargadora Marneide no período compreendido entre os dias 04/11/2010 (data do ajuizamento da ação de usucapião) e 09/12/2010 (dia posterior à decisão da desembargadora que negou a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pelo Banco do Brasil.

Inquirida pela Subprocuradora-Geral da República, a magistrada afirmou nunca ter tido contato com o advogado.

Subprocuradora-Geral da República – E o advogado Antonio Lobo?

Depoente – Eu o conheço como advogado.

Subprocuradora-Geral da República – Mas a senhora já teve algum contato com ele?

Depoente – Não. Também não.

Subprocuradora-Geral da República – Também não?

Depoente – Não.

 

MOVIMENTAÇÃO DE DINHEIRO

A Receita Federal, em cumprimento à decisão proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça, encaminhou relatório em que aponta que Marneide Merabet teve movimentação financeira incompatível com sua renda nos anos de 2009 e 2010 (mesmo ano em que proferida a decisão que negou efeito suspensivo ao agravo de instrumento manejado pelo Banco do Brasil nos autos da ação de usucapião), fato que configura, no mínimo, indício de prática incompatível com o dever de integridade profissional previsto no art. 19 do Código de Ética da Magistratura.

A Receita informou que a magistrada teve créditos em suas contas bancárias que representaram 2,6 e 2,52 vezes o valor dos seus rendimentos declarados nos anos de 2009 e 2010 e que no ano de 2011 os créditos em suas contas bancárias caíram visivelmente quando comparados com os anos anteriores.

Em sua defesa, a desembargadora alegou que a única movimentação acima de padrões normais foi no valor de R$ 255.353,12 - cujo credor é LIB CONSIG TJ (empréstimo bancário feito pela magistrada) e que no Banco do Brasil a movimentação alta se deu somente no ano de 2010 e que a maior parte dos créditos é de resgate de CDB.

Neste ponto, o relator, Joaquim Falcão, transcreveu trecho dos fundamentos adotados pela Receita Federal do Brasil para concluir pela movimentação financeira incompatível da sindicada, o que levou à instauração de operações contra a contribuinte: 

“Interessante também observar que, em regra, parece-nos que todos os valores em contas bancárias da contribuinte são integralmente sacados, conforme valores da coluna débito da tabela acima.

Isso nos leva a deduzir que os valores creditados em contas são distintas, ou seja, não seria o caso de ter havido transferências que pudessem estar provocando distorções dos valores a crédito, uma vez que não faz sentido uma pessoa transferir valores de uma conta para outra, de sua mesma titularidade, para em seguida sacar integralmente.

Em função disso, somos levados a crer que os valores lançados a crédito das contas bancárias da contribuinte Marneide Trindade Pereira Merabet se referem a valores distintos entre si, o que reforça o indício de movimentação financeira incompatível com seus rendimentos”.

 

 




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