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Crise polítia no Brasil: O risco necessário

11/08/2015

Dilma Rousseff conseguiu se reeleger, mas o preço que lhe está sendo cobrado é alto demais. Põe em risco o que o Brasil conquistou nos últimos anos e o ameaça com uma crise institucional. Tudo isso pode ser resolvido sem que se abra mão do mais importante: a democracia.

Com razão, alguns dos líderes do golpe de estado de 1964, que levou à ditadura, ressaltam que não se tratou apenas de um putsch militar. Nele, os civis tiveram participação decisiva. Um dos maiores símbolos desse braço civil golpista foi o todo-poderoso ministro Delfim Netto, que chegou ao auge da sua influência no período do “milagre” econômico, na passagem dos anos de 1960 à década seguinte.

Apesar desses antecedentes, Delfim se tornou um dos principais conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por algum tempo, da sua sucessora, Dilma Rousseff. Através das janelas que lhe abriram alguns órgãos da grande imprensa, Delfim, mais do que analisar os fatos econômicos e políticos, exerceu a função de conselheiro e propagandista dos dois governos do PT. Era a face pública projetada, com os naturais filtros da conveniência, da atuação de bastidores do intelectual e lobista que Delfim personifica com todo seu talento.

Até a reeleição de Dilma, Delfim mais incensava do que criticava. Seus reparos eram mais retoques e complementações de observações elogiosas que fazia às decisões das duas administrações, parte delas inspiradas por ele próprio, na sua notória condição de eminência parda.

Da reeleição para cá, os decibéis nos artigos do ex-ministro da Fazenda foram subindo de nível e, não por acaso, de conteúdo. Essa conversão o levou a um artigo antológico na sua coluna semanal na Folha de S. Paulo do dia 22, sugestivamente intitulada “É a hora”. De um novo golpe de estado, como querem e prevêem alguns (ou muitos)?

Não. Delfim arremata seu texto citando Ulysses Guimarães, o patrono da constituição de 1988, que, em circunstâncias difíceis, entoava o seu bordão pessedista (mais do que peemedebista): “Olha, vamos sentar e conversar”. Nada de decisões cirúrgicas, à margem da lei. Se a nau está fazendo água e o timoneiro perdeu o rumo (além da liderança e até mesmo o respeito alheio), é hora de negociar com vantagem.

Para se manter, o governo, se não ceder tudo, terá que entregar muito mais do que os anéis. A turma da qual Delfim Netto é representante legítimo (e dos mais categorizados), depois de se beneficiar dos erros crassos dos petistas, quer se favorecer na tratativa das correções, remendos e purgações. Vai assumir o comando, mesmo que não formalmente e até mesmo sem aparecer na proa do barco à deriva – e com gravíssimas infiltrações.

Até a reeleição do ano passado, ela podia até levar a sério ilusões e fantasias. Mas toda essa irrealidade desmoronou. Pode ser até que seus inimigos e adversários tenham dado alguma contribuição para resultados ruins, mas a parcela fundamental veio da incompetência do seu governo e dela em particular. Alguns erros foram cometidos de boa fé. Muitos outros, não. Pelo menos todos aqueles que serviram à sua deslavada propaganda manipuladora na campanha eleitoral de 2014.

Delfim aponta as amostras do desastre no seu artigo: “queda do PIB per capita da ordem de 0,7%; dramática redução dos investimentos; inflação represada que ajudou a destruir os setores de energia e industrial; déficit em conta corrente de US$ 105 bilhões (4,4% do PIB). E, pior do que isso, déficit fiscal de 6,2% do PIB (contra 3,1% em 2013) e aumento de 6% na relação dívida bruta/PIB, com um resultado primário negativo de 0,6% do PIB (contra um positivo de 1,8% em 2013)”.

A dose já seria paquidérmica se fosse formada só por esses ingredientes. Mas há outros tão graves que o ex-ministro não citou, como o peso dos juros da dívida pública, onerado por uma política que premia com remuneração extorsiva o detentor de papéis oficiais; a sangria de dinheiro do tesouro, que jamais retornará ao sistema circulatório, a pretexto de criar empresas brasileiras capazes de competir em igualdade de condições no mercado internacional (e que estão quebrando ou sendo compradas); o fim da era de ganhos salariais reais; o endividamento sem igual das famílias brasileiras; a eliminação de vantagens sociais dos trabalhadores, e etc.

Com a água chegando ao nariz e sem apoio político para convencer a sociedade da justeza do novo caminho que se propõe a seguir, o governo tem que continuar a recorrer a artifícios e pedaladas, que são formas não convencionais, irregulares ou francamente ilegais, de manter o caixa do tesouro alimentado de qualquer maneira.

Um exemplo. No último dia 16 a Petrobrás pagou 1,6 bilhão de reais de imposto à União por dívida realizada em 2008. Esse valor será lançado como perda no balanço da empresa do próximo trimestre. Embora a condenação tenha sido imposta por um órgão administrativo do governo federal, o Carf, a estatal comunicou oficialmente não irá recorrer da decisão à justiça.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais entendeu em sua deliberação que o domicílio é que determina se uma operação é de crédito externo ou não para a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras em transações de mútuo entre uma empresa e suas subsidiárias no exterior. Para a Petrobras, a transação era operação de crédito externo e não estaria sujeita à incidência do IOF. A cobrança da tributação nesse caso ofenderia o princípio da territorialidade.

O relator do processo no Carf, Walber José da Silva, argumentou que como a Petrobras é sediada no Brasil e não houve ingresso de recursos no país nessas transações de mútuo, a incidência do imposto era devida e não haveria violação ao princípio da territorialidade. A mesma turma julgadora desse processo já analisara a questão em processo anterior também de interesse da Petrobras, e rejeitou o recurso da empresa.

Por isso, a Petrobrás achou melhor esquecer o recurso perfeitamente cabível e assumir o prejuízo? É um procedimento estranho, se a empresa contestou a decisão do Carf por dispor de argumentos sólidos e estar convicta das suas razões. Não conheço a matéria e não posso opinar a respeito. Um especialista poderia ajudar a esclarecer as divergências e os fundamentos das duas posições.

Mas uma pulga se instalou por trás da minha orelha: ao se submeter tão docilmente a um rombo de R$ 1,6 bilhão, nunca provisionado nas demonstrações contábeis sete anos depois do fato gerador da cobrança do imposto, a Petrobrás não está, indiretamente, mas com dinheiro vivo, ajudando o governo de Dilma Rousseff a fazer caixa, apesar da precária situação econômico-financeira da petrolífera estatal no momento?

Fica a dúvida para quem responder possa: não será mais uma pedalada (agora um tanto estilosa) do governo?

O governo tenta agora uma saída, convencido que a possibilidade de manipulação se exauriu. Dilma está ameaçada de chegar (se chegar) ao fim do seu segundo mandato como a mais impopular das presidentes de toda história republicana do Brasil. Ganhará do general Figueiredo, o último do regime militar, e de José Sarney, o primeiro na nova fase democrática.

Segundo a última sondagem de opinião da CNT, fartamente divulgada, sete em cada dez brasileiros desaprovam o governo Dilma e quase 80% desaprovam Dilma pessoalmente. A aprovação pessoal da presidente caiu de 18,9% para 15,5%. Já a desaprovação subiu de 77,7% para 79,9%. 62% querem o impeachment da presidente e quase 45% acreditam que se Aécio tivesse vencido, o governo seria melhor.

Se as eleições fossem hoje, Lula perderia para todos os tucanos postulantes ao cargo – Aécio, Alckmin e Serra. Num segundo turno o resultado seria: Aécio 49,6% x 28,5% Lula; Alckmin 39,9% x 32,3% Lula; Serra 40,3% x 31,8% Lula. 44,8% acreditam que se Aécio Neves tivesse vencido as eleições, o governo dele estaria melhor do que o da petista.

Quase sete em cada dez brasileiros que acompanham o noticiário consideram Dilma culpada pela corrupção na Lava-Jato; 62,8% são a favor do seu impeachment.

Metade da população tem medo de ficar desempregado por causa do desaquecimento da economia; 53,9% têm alguma dívida vencida ou a vencer; seis em cada dez pessoas ouvidas creem que o ajuste fiscal não ajuda a economia; 60,4% consideram que a crise mais grave é a econômica e 36,2% acreditam que é a política; mais de 84% acreditam que Dilma não está sabendo lidar com a crise econômica; para 75,9%, o custo de vida vai aumentar ou aumentar muito; 70,1% são favoráveis à redução da maioridade penal, para 16 anos.

Além de tudo isso, a entrada no cenário como protagonista da corrupção, que sempre houve e foi perniciosa no Brasil, mas agora está tomando dimensões sem paralelo e se revelando em toda a sua malignidade até recentemente silenciosa, como um câncer invasivo e cruel. Graças à mais bem sucedida apuração de corrupção que já houve no país, a da Operação Lava-Jato, armários, baús, sótãos e porões tomados por ladrões e produtos do seu saque ao dinheiro público estão sendo desvendados. Os intocáveis estão sendo chamados às barras da justiça ou colocados na cadeia.

O campo de manobra diminuiu tanto que, com a sua autoridade de ministro da justiça, o deputado federal José Eduardo Cardozo, do PT, mudou o tom monocórdio do governo que integra e deu sua contribuição ao aprofundamento das investigações. Ao depor, na CPI da Petrobrás na Câmara Federal, ele desfez a balela sustentada pelo seu governo e o seu partido.

Para eles, basta que as doações de campanha sejam aprovadas na prestação de contas dos partidos à justiça eleitoral para que estejam legalizadas. O ministro admitiu que se o dinheiro tem origem ilícita, não pode ser legalizado pelo seu reconhecimento no destino.

Mas Cardozo atenuou essa posição. Entende ser necessário que o recebedor dos recursos tenha ciência da origem delituosa para que se caracterize o crime. Assim, além do fato concreto da origem espúria, a comprovação do crime exigiria a demonstração da cumplicidade de quem recebe o dinheiro, sua ciência de que a doação é ilícita.

Até agora o PT e o governo têm se defendido das acusações de recebimento de dinheiro ilegal, proveniente de superfaturamento e desvio nos contratos de 27 empresas com a Petrobrás, alegando que as doações das empresas investigadas foram legais e registradas na justiça eleitoral.

Talvez o ministro da justiça tenha dado um passo na direção dos argumentos dos delatores da corrupção porque vem sofrendo fritura por parte de petistas, se veja ameaçado de demissão e esteja à cata de uma saída honrosa. Qualquer que seja a motivação, agora uma nova porta se abre para a investigação. Ela dá diretamente em salas e ante-salas do poder.

Era um ambiente indevassável, impenetrável. Mas começaram a cair ou ser ameaçadas muitas cabeças coroadas. Alarmadas, elas procuram dar às suas situações específicas o delineamento de uma crise muito maior, que põe em risco o país inteiro.

Os chefes do poder legislativo nacional (Eduardo Cunha, que preside a Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros, presidente do Senado, ambos do PMDB, o mais antigo e mais forte partido político do país) declararam que há uma crise institucional no Brasil e a democracia está ameaçada porque os dois são alvos de investigação – judicial e administrativa – por corrupção.

É exatamente o contrário, felizmente. Como raras vezes aconteceu na história republicana brasileira (se é que realmente há um antecedente igual), as instituições estão funcionando e a democracia resiste à crise. Mas inegavelmente elas passam por um momento grave e delicado. O preço a pagar por tantos crimes e abusos praticados em órgãos públicos, com dinheiro desviado do erário, é alto e deverá ser prolongado. No tamanho do prejuízo está o enigma da questão.

Pelo menos a sociedade está sabendo que os delitos estão sendo apurados, os responsáveis são identificados, a punição está a caminho e ao menos parte dos recursos roubados poderá retornar aos cofres públicos. É uma situação inédita no Brasil. Se for até o fim, exemplar mesmo no âmbito da história universal.

Mas é uma via crucis formidável. Vai continuar a provocar intenso sangramento e atrair a ação de abutres. Eles têm até um papel salutar quando o corretivo previsto em lei não é aplicado em tempo razoável. Com tanta sujeira se acumulando, algum mecanismo tem que ser acionado para a assepsia moral, ética, financeira e econômica, além de política.

Um novo sinal de alerta vem de novo dos Estados Unidos. Escritórios de advocacia estão sondando ou induzindo investidores a se lançarem sobre a Eletrobrás, depois de terem investido com cinco ações coletivas (depois agrupadas) e várias outras individuais de indenização contra a Petrobrás.

Querem ser ressarcidos pelos danos que sofreram ao decidirem investir na empresa baseados em informações falsas ou falhas, e não serem informados sobre os danos causados pelo desvio criminoso de dinheiro para o pagamento de propina a executivos, empresários e políticos brasileiros.

Em abril, a empresa estatal do setor elétrico comunicou à bolsa de valores de NY que não publicaria seu balanço nos Estados Unidos porque suas contas estavam contaminadas pelas fraudes detectadas pela Operação Lava-Jato. Segundo o noticiário da imprensa neste fim de semana, depois desse anúncio, os recibos de ações da Eletrobrás caíram 8,24% até o final do mês passado.

A Petrobrás levou cinco meses para fechar o seu balanço, que a auditora independente se recusava a chancelar. Ao apresentar suas contas, admitiu prejuízo de 6,3 bilhões de reais com a ação da quadrilha que agia dentro e fora da empresa para superfaturar o valor dos contratos com 27 prestadores de serviços da estatal do petróleo.

O atraso da Eletrobrás já é de três meses e deverá se prolongar. A empresa está ajustando os seus números às informações prestadas à justiça pelo ex-presidente da Construtora Camargo Corrêa Dalton Avancini. Ele disse ter ouvido que as empresas do consórcio de construção da usina nuclear Angra 3 pagaram propina ao almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás. Quanto custará esse atraso e a sonegação de informações? Certamente mais alguns bilhões de reais.

O saco de sujeiras parece sem fundo. Agora mesmo o ex-presidente da Sete Brasil, João Carlos Ferraz, admitiu pela primeira vez que recebeu quase dois milhões de dólares em propina dos estaleiros que trabalham para a companhia na construção de sondas de exploração do pré-sal. Não esclarece ainda quem pagou e quem o pressionou.

A Sete foi criada em 2010 pela Petrobras para administrar as sondas que atuam ou atuarão na camada do pré-sal, em sociedade com um grupo de bancos e fundos (BTG Pactual, Bradesco, Santander, fundos de pensão estatais e o FGTS). É um novo caminho abrir uma fonte de corrupção de grande valor. A empresa calcula que as propinas somaram US$ 224 milhões. dois terços dos quais teriam sido pagos para o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. O restante foi dividido entre diretores da Sete e da Petrobras.

Tanto Ferraz quanto Pedro Barusco, ex-diretor de operações da companhia, foram indicados para seus cargos pela direção da Petrobras, onde os dois trabalharam juntos. Eles montaram um esquema através do qual os estaleiros contratados pela Sete pagariam de 0,9% a 1% do valor de construção de cada sonda, em troca dos contratos.

A previsão era de construção de 28 sondas, no valor de US$ 22 bilhões. Depois de prontas elas seriam alugadas à Petrobras. Por causa do seu envolvimento nesse amplo esquema de corrupção, a Sete foi paralisada e ficou impedida de empresa de receber um financiamento de US$ 9 bilhões do BNDES. Está agora em processo de reestruturação.

É uma história sórdida, mas está sendo destrinchada e levada em frente. Não importa se passando por cima de tanta autoridade pública de expressão, mas que não honrou o cargo concedido pelo povo brasileiro. Se todos os corruptos caírem, as instituições e a democracia ficarão mais fortes e saudáveis.




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