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Provocação do leitor

01/08/2015

Rosélio da Costa Silva (d-dacostasilva@uol.com.br) *

Como produzir um bom texto?

Isso não é uma pergunta. É uma provocação. Serve para instigar a alma de indivíduos de boa vontade à caça desesperada de contribuição razoável ou para medir a dimensão do ego dos atrevidos.

Espero ser enquadrado na primeira hipótese, ainda que não ofereça resposta razoável. Aliás, creio difícil construí-la simples, encontrá-la em lata na despensa da criatividade. Mais fácil cair na tentação de desastrada receita caseira. Vejo, portanto, que a melhor pessoa que pode se preparar para respondê-la é você mesmo, mensageiro anônimo.

Escrever é um ato de amor, por via mais penosa. Mera motivação não basta. Requer conhecimento do idioma, domínio da estrutura do texto, saber onde começa, onde e como acaba mas, sobretudo, exige estilo, bossa, borogodó.  

Estilo é a forma pessoal com que o autor se expressa. Defendem alguns que a natureza, a rigor, é nula de estilo mas a natureza-morta expressa no quadro tipifica o estilo do seu autor.  

Bossa é aptidão, leia-se queda, vocação. Já borogodó – metáfora torneada aqui, às pressas - é um jeito especial, um certo charme individual e intransferível de dizer as coisas. É um tributário do estilo, arrisco.

Escrever implica doação, não raro abandono temporário de si mesmo, por vezes entrega às intrigas e duelos que as personagens fazem nas ruas escuras da criação.   Pressupõe, sobretudo, que o autor tenha a capacidade de transferir ao leitor a estória enroscada em sua cabeça, emprestando cores e contornos a situações, cheiros, impressões, caricatura do geral e pormenorização do particular, dando ao leitor elementos que o conecte à estória.

Escrever deriva de etapa anterior: ler. Ou seja: escrever bem não se ensina, se aprende. Há que se ler de tudo.  De bula de remédio a romances consagrados; notícias de jornais, artigos, reportagens, até mesmo textos como este, que Deus permita ganhe mais pelo quinhão de boa-vontade e menos pelo inevitável odor pretensioso que desprende.

As notícias dizem objetivamente o que aconteceu, onde, quando, como e com que conseqüências. Os artigos são matérias mais elaboradas, como se fossem teses; são muito bons para estudo de estrutura do texto, acompanhar a persistência do autor na busca incessante da justificativa cabal a cada ponto da tese.

As reportagens, grandes reportagens, fazem parte do jornalismo interpretativo que visam a prover informações ao leitor para o entendimento global e minucioso da estória. 

Aprenda com os clássicos nacionais. Ao terminar o livro, vale fazer como se estivéssemos assistindo a um filme: identificar o plano geral que usualmente abre os filmes para depois ir aproximando a fazenda, depois o pasto, as árvores, o rio, a casa, algo do mobiliário, para por fim mostrar as personagens e enveredar pelo andamento da estória.

Ajuda muito procurar resumir a estrutura: cabeça, tronco e membros. Focar na cabeça e ver como o autor descreveu o rosto, a cor dos cabelos, nariz, orelhas, lábios.   Repetir isso com todas as peças e partes.   Isso auxilia na compreensão da estrutura que autor montou em sua produção.

Frases curtas dão força ao texto e ainda previnem erros banais de concordância. Chove. Chovia. Eram duas meninas. Uma magra e alta; a outra gorducha e baixa. Ou, se preferir:

- Eram duas meninas: uma magra e alta, a outra gorducha e baixa.

Use os sinais de pontuação. Ordem direta. Sujeito, verbo e predicado. O boi come capim.

Isso pode provocar um ar de composição infantil. Não se preocupe e não desista.   É que você já está com autocrítica suficiente para notar como você está escrevendo.

Substantivos dão substância. Use e abuse. Conferir nos dicionários palavras simples, de uso corrente, enriquece o estoque de sinônimos e antônimos, além de garantida diversão nos achados de significados, pronúncia e grafia que jurávamos conhecer!

Adjetivos são adornos. Mas há que se ter noção de decoração gramatical para saber onde colocar os adjetivos. Bom pasto engorda os animais. Um adorno fora de lugar: o bonito pasto engorda os animais. Pode até ser!... Desde que se deseje dizer isso.

Escreva como vem à sua mente e depois, lápis vermelho em punho, comece a cortar elementos que, se retirados, não produzem dano à idéia ou ao texto. Ora se esses elementos podem ser cortados sem maior prejuízo à idéia ou ao texto, logo eles são dispensáveis.

Corte o se, Elimine à idéia.   Retire o ou ao texto, como não? Suprima o eles e veja como fica melhor, acima. Ouse, corte eles e são. Corte sem piedade. Retire os quês, os os, os as, repetições de palavras, de idéias, coloque o verbo no presente. Não tente impressionar o seu leitor com palavras caçadas nos dicionários. Escreva simples, transmita idéias com transparência.

Evite clichês: o astro rei ainda brilhava... Frases surradas ou pernósticas: chovia copiosamente... deixou rastros de destruição. Diga o que você quer dizer: chovia muito. Ouse: Maior pé d´água, se o texto permitir essa informalidade.    

Não há obras perfeitas. Os críticos de plantão sempre encontram falhas, omissões, excessos ou tudo isso junto. Fique tranqüilo, então. Tente produzir, ao menos, texto com Português sadio, vivo, alegre.

Mais tarde, procure incorporar ao texto figuras de linguagem.  São ferramentas úteis para esculpir imagens na rochosa estrada das letras.    

Poucos personagens. Paulo, João e Maria. Isso não quer dizer que você subestima a capacidade do leitor. Não. É o seu ensaio para textos mais complexos, para que você aprenda a lidar com as personagens.

Em resumo, contar uma estória é como contar piada. Há pessoas que a contam muito bem, despertam a atenção e curiosidade do interlocutor para o ato final. Outros, não passam o domínio da situação, mergulham em rodeios e a coisa desanda. Piada é uma estória.

Contar uma piada não é diferente de escrever uma estória. Prepare o roteiro de tal maneira que o final pareça inesperado. Não tente copiar ninguém.   Procure ser original.  

Lembra do poema do Drummond?

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra”

Parece um sinal de alerta àqueles, como nós, que tentamos escrever... Mas vale a pena tentar.

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 (*) escreve na última semana do mês.




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