O folgado
À tardinha sempre saía para uma caminhada pela orla. Quando voltava era boca da noite, já. Caminhando parecia escutar o meu médico com seu tom grave e formal, a repetir a ladainha “todos devemos nos exercitar, qualquer atividade física vale e existe uma que está ao alcance de todos e pouca gente faz: caminhar!...”
Fazia calor, naquele finalzinho de tarde, umidade relativa do ar alta, dando aquela sensação pegajosa. Há uma indicação básica para quem faz exercícios: água, energéticos, água de coco. Mas há um grupo de pessoas que prefere tomar logo um 3 em 1, sabor chope.
Não há como escapar da tentação do chope. Um bar atrás do outro. Quando se escapa do bar, lá vem o vendedor ambulante. Rodeado de apelos, resolvi apelar: sentar em um dos bares da orla, ali mesmo no balcão, frente total para o mar, e pedi um chope para matar o calor.
Nem bem dei uma primeira bicada na espuma e aproxima-se um homem, alto, forte, acompanhado da mulher e uma criança. Suas roupas não destoavam do tom descontraído da praia; tampouco não denunciavam que fossem pedintes, mendigos. “Mindingos” em paulistês.
- Cadê o gerente da casa? - iniciou ele, num tom severo.
- Não sei, não conheço, sou apenas um cliente.
- Pois não? Disse um garçom que estava próximo.
- Gostaria de falar com o gerente, você é o gerente?
- Não, não sou. Um momento, por favor.
Foi um diálogo franco, direto, parecia que o homem estava à busca do gerente para lhe cobrar uma dívida, reclamar do troco errado, de imperfeição do serviço oferecido ou coisa do gênero.
- Em que posso lhe ser útil, senhor.
- Olha em vim do Mato Grosso e estou passando dificuldade com a minha família. Quero uma ajuda.
- Que tipo de ajuda você necessita?
- Quero um prato de comida. Estou com dinheiro contado para a passagem de volta à minha cidade e não tenho como lhe pagar o prato de comida.
- Tudo bem. Eu lhe dou um prato de comida. Como o restaurante abre pontualmente às 7, peço para varrer o salão principal, juntar o lixo e lavar algumas panelas na cozinha. Pode ser?
- Poxa! Estou lhe pedindo um prato de comida. Não estou pedindo emprego.
Disse isso e saiu resmungando...