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Memória: Santarém em 1942

Lúcio Flávio Pinto - 03/09/2023

Usina de Eletricidade movida a lenha, ao fundo, funcionava no prédio onde hoje está instalado o Mercado Modelo; aeroporto para operação de aviões anfíbios - Créditos: Arquivo/ICBS

 

No dia 15 de agosto de 1942 circulou em Santarém a edição 353 de O Momento, “semanário defensor dos interesses do município”, que voltou a circular (nessa nova fase) em 1937. Como todas as publicações editadas na época da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (e em plena Segunda Guerra Mundial), o jornal anunciava no seu cabeçalho que estava registrado no DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que censurava não só os periódicos como toda produção cultural. A redação era na rua Siqueira Campos. Seu redator era Francisco Cronje da Silveira e o gerente, Arbelo Campos Guimarães.


Uma leitura atenta do jornal ajuda a compor um quadro de Santarém nessa época. Era uma cidade acanhada, provinciana, na qual todos se conheciam e as festas, ao mesmo tempo religiosas e profanas, eram um dos acontecimentos mais importantes da vida dos cidadãos (algumas delas degeneravam para a violência, estimulada pelo grande consumo de álcool). Havia um toque de sineta para a abertura e de fechamento do comércio.


As ligações de Santarém com o mundo exterior eram muito limitadas: as comunicações eram feitas através dos rios, inclusive para o pouso dos aviões anfíbios. Já havia um campo de aviação em terra, mas precário. O poder de mando se impunha, da sede aos municípios do interior, graças ao controle político. Os cidadãos estavam expostos às arbitrariedades dos representantes das autoridades, inclusive nas distantes paragens.


Seguem-se um dos textos da edição.


A aposentadoria do sinete


Num fim de tarde, ao sol-por deslumbrante que se descortina do Largo da Matriz, um viajante de longes terras e costumes modernos, admirava extasiado a magnificência desse panorama, que nos habituamos a contemplar quase todos os dias. Seis horas! A hora solene da Ave-Maria anunciou melancolicamente o sino da Matriz. Após, um silvo agudo e longo cortou o espaço. Era a sirene da Usina Elétrica avisando o fim do dia e o acender de luzes. Nada disso perturbou o viajor deleitado ante o quadro irrivalizável da natureza. Mas, de súbito, um som metálico e impertinente chegou à praça.

 

 


Usina de eletricidade/Arcevo TV Tapajós
 

 

O nosso hóspede, surpreso, como que despertado abruptamente, perguntou-nos à queima-roupa: “que significa isso? Ontem ouvi a mesma coisa?”


- É o sinal do fechamento do comércio dado pela campa do Mercado, respondi-lhe meio desconcertado, pela surpresa incrível que lia nos olhos azuis do visitante. Ele me olhou espantado, como se lhe tivesse falado de uma coisa sobrenatural, duma coisa do outro mundo... e me disse: “Meu amigo, isso é feio e destoante do progresso. Em sua terra, a gente sente que há progresso. Há uma população laboriosa que se emprega ardentemente na luta pela vida, fazendo dessa bela cidade uma grande metrópole do futuro. Tudo indica que o desenvolver de Santarém será promissor. Esses dois grandes rios que aqui se confraternizam são bem o prenúncio dos grandes dias do porvir&rdquo ;. E finalizou, súplice, “mande jogar fora essa velha sineta, de som enervante e que parece coisa do tempo em que o diabo perdeu o cachimbo...”.


Ao ver narrar esse fato, leitor meu, lembrei-me da história da sineta do Mercado. Ela passou cerca de trinta anos dependurada na capela mortuária do cemitério de N. S. dos Mártires, e de lá um dia, parece que em 1931, desceu para ficar suspensa numa trave do velho Mercado e anunciar quatro vezes ao dia a abertura e o encerramento do nosso comércio, e dar aos que nos visitam essa impressão dolorosa de atraso e de inércia ante a marcha vertiginosa do progresso. E assim vai o nosso apelo. Substituição da sineta ou campa destoante do progresso da cidade por uma sineta ou então por um relógio que bem pode ser elétrico e montado à nova praça que a Prefeitura está fazendo à beira do rio, entre a Usina Elétrica e o tradicional Largo da Matriz.


É a aposentadoria da velha campainha. Ela tem mais de 40 anos de serviço público. Uma velha funcionária que gratuitamente serviu para anúncio dos que morreram e hoje serve para a alegria dos que vão ao Mercado em busca do pão diário... E este é o pedido de Tio Pedro, velho santareno e amigo de sua terra e amante do progresso. Será ele atendido? (TIO PEDRO)

 

 

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