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Pará: campeão da grilagem

Lúcio Flávio Pinto - 31/01/2023

Há anos venho denunciando o Iterpa por sua absurda política fundiária. O Instituto de Terras do Pará se transformou em um escritório imobiliário. Empenha-se em vender terras públicas a particulares com sofreguidão e ignorando (ou violando) os limites estabelecidos em lei para as alienações de extensões maiores. O limite atual é de 2,5 mil hectares. Axima desse tamanho, o parlamento tem que autorizar.

 

Há várias manobras usadas para contornas essa vedação. A mais frequente foi publicada na edição de hoje do Diário Oficial. O Iterpa anuncia a “regularização fundiária” (a denominação dada à venda direta) de duas áreas requeridas no ano passado por Ricardo Brizot Nicaretta. Uma área é a da Fazenda Santa Maria da Serra Verde, no quilômetro 36 da estrada Vila Rica, vicinal Santaninha, no município de São Félix do Xingu. Tem 1.460 hectares.

 

A outra gleba pretendida é na mesma fazenda, no mesmo quilômetro da mesma estrada, ligeiramente menor, com 1.434 hectares.

 

Logo, a Fazenda Santa Maria da Serra Verde, já formada e ocupada por Ricardo Brizot Nicaretta, terá 2.894 hectares quando o Iterpa concluir a venda, que está processando aceleradamente, a partir do pedido, feito no ano passado. Assim, fraudando o ato e burlando a lei, com a aprovação do seu presidente, Bruno Yoheiji Kono Ramos, e a aprovação tácita do governo do Estado, o agora líder ecológico Helder Barbalho.

 

Grilagem é o caminho para a exploração de mão de obra, a violência, a destruição da natureza. Não é por acaso que o Pará é o campeão da agressão ao meio ambiente. É por ser também o campeão da grilagem, sancionada pelo governo estadual.

 

Apesar de tantos artigos escritos, nunca recebi uma só resposta das autoridades. Incluindo os omissos poder judiciário e o Ministério Público, além de organizações da sociedade civil. Talvez agora, com a matéria publicada pela Folha de S. Paulo, alguém se decida a fazer alguma coisa contra esse crime continuado ao patrimônio público.

 

A reportagem, infelizmente, não aborda as questões que aqui suscito, mas é importante. Para a grande imprensa, mantida a pão de ló pela publicidade oficial, o Pará, ao contrário, virou paraíso. Daí ser o lugar certo para abrigar a próxima reunião do ambientalismo mundial.

 

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Stefhanie Piovezan / Folha de S. Paulo

 

Destino de 10,7 mil imóveis cancelados em ação contra grilagem é desconhecido no Pará

 

Mais de 10,7 mil imóveis tiveram suas matrículas canceladas nos últimos anos no Pará em uma tentativa de combater a grilagem de terras, mas faltam informações sobre o destino dado aos terrenos, que têm no papel uma área equivalente a 73% do território do estado.

Os dados constam na pesquisa "Combate à grilagem de terras em cartórios no Pará: uma década de avanços e desafios", lançada nesta segunda-feira (30). O estudo foi conduzido por pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará), do IFPA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará) e do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Candidato a sediar a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2025, o Pará é o maior desmatador da Amazônia, e a ocupação ilegal de terras é apontada como uma das causas do problema.
Há um único caso conhecido publicamente de retomada de terra pelo governo estadual. Somente esse imóvel possui 386 mil hectares, o que corresponde a mais que o dobro da cidade de São Paulo.
Os pesquisadores se debruçaram sobre milhares de documentos e constataram que pelo menos 10.728 imóveis em 88 dos 144 municípios do Pará tiveram as matrículas canceladas desde 2010.

Naquele ano, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou o cancelamento administrativo (sem necessidade de ação judicial) de todos os registros de imóveis com tamanho acima da área limite permitida pela Constituição Federal —ou seja, registrados entre 1934 e 1964 com mais de 10 mil hectares; registrados de 1964 a 1988 com mais de 3.000 hectares; e registrados a partir de outubro de 1988 com mais de 2.500 hectares. Tais imóveis precisam de autorização do Congresso Nacional para abertura da matrícula.
A medida alcançava também registros feitos a partir de áreas desmembradas desses imóveis. Por exemplo, se uma matrícula de imóvel de 20 mil hectares tivesse sido desmembrada e resultado em duas matrículas, uma de 14 mil hectares e outra de 6.000 hectares, ambas seriam atingidas pela medida.
Como resultado, foi cancelado o equivalente a 91,12 milhões de hectares, uma área impossível de ser legalizada, considerando que, pelos dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), os imóveis privados ocupam 10,5% do estado (12,8 milhões de hectares).

Em outras palavras, a ação do CNJ cancelou muitas matrículas que eram fruto de grilagem. Parte dos terrenos nunca existiu e outros foram indevidamente ampliados na documentação. Por exemplo, em 332 imóveis cujas informações geográficas foram localizadas pelos pesquisadores, havia 46.155 hectares a mais do que o declarado no papel.

Nesses 332 imóveis, 34% da área de floresta já estava desmatada até 2020. Por outro lado, 1,5 milhão de hectares eram de florestas primárias. "Caso esses imóveis não comprovem sua regularidade e a situação de cancelamento do título se mantenha, estamos tratando na prática de uma área de floresta pública equivalente a dez vezes a cidade de São Paulo", afirmam os autores.

Para os pesquisadores, é essencial que o TJ-PA (Tribunal de Justiça do Pará) informe quais imóveis foram alvo da decisão, quantos conseguiram regularização e quantos ainda precisam ser retomados e destinados. Procurado pela reportagem, o tribunal informou que não irá se manifestar neste momento.

"Para avançar nesse tipo específico de roubo de terra pública, que é a questão dos registros fraudados, ainda existem etapas que precisam acontecer: maior transparência sobre o que aconteceu com esses imóveis depois do cancelamento e, para aquelas áreas que eventualmente foram retomadas pelos governos, entender o que foi feito", avalia Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e uma das autoras do estudo.

Ela explica que, sem essas informações, investidores em atividades de reflorestamento e do mercado de créditos de carbono podem ser enganados, levando ao desestímulo à aplicação de recursos.

"Em geral, há um desconhecimento do que significa um título cancelado. São noticiados casos de projetos de carbono que são feitos em áreas assim, públicas, que foram matriculadas de forma ilegal e não deveriam ser usadas em qualquer iniciativa de investimento de longo prazo", acrescenta Brito.

Os pesquisadores recomendam a digitalização dos documentos dos cartórios de registros de imóveis; a fiscalização dos cartórios; que entidades como o Ministério Público tenham a lista das matrículas canceladas e possam acompanhar os processos; e a busca de parcerias entre as instituições envolvidas para agilizar o desfecho.

"O cancelamento do título não é suficiente para punir e desestimular a continuidade desse tipo de grilagem. É necessário que o poder público promova a destinação adequada da área", afirmam os autores.




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