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O Caribe, o rio e o nativo

Lúcio Flávio Pinto - 24/01/2022

Em sentido horário: rio Tapajós em Itaituba, Fordlândia e Aveiro - Créditos: Créditos: Erik Jennings

No mundo inteiro chegou a má notícia: a água cristalina e abundante que banha as alvas praias do Caribe brasileiro, em sucessão linear por 40 quilômetros ao longo do rio Tapajós, está turva, feia, intimidadora.

 

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O alerta foi dado a partir das primeiras imagens da transformação ocorrida na mais famosa das praias do município de Santarém, no Pará. Já incluída nos roteiros turísticos internacionais como uma das atrações da Amazônia, certamente a principal do Estado, é uma das 10 melhores praias do mundo, segundo o jornal britânico The Guardian.

 

Tema de manifestações apaixonadas de admiração, Alter-do-Chão inaugura o registro negativo, que pode inibir os visitantes e prejudicar o seu faturamento. Talvez por isso, a ameaça de poluição com efeitos irremediáveis pode começar a ser combatida.

 

Há muito tempo sabe-se da gravidade do problema. Nos últimos 60 anos, a sua origem são os garimpos de ouro em uma extensa área do município vizinho de Itaituba, transformado em província garimpeira. O despejo de argila dos desmontes de barrancos com jatos de água alcança as águas azuis como de mar, manchando-as. Como a atividade de milhares de garimpeiros cresce ou diminui com frequência, a descontinuidade sempre desestimulou providências mais efetivas contra a lavra predatória ou ilegal.

 

Mas agora a pulverização dos garimpos se tornou mais concentrada com o ingresso de empresas organizadas na extração do ouro, diretamente, através de testas-de-ferro ou mesmo contratando como empregados garimpeiros desempregados ou malsucedidos. O volume das descargas passou a atingir milhões de toneladas por temporada.

 

A extensa área do rio com cor barrenta, visível a partir de 300 quilômetros acima de Alter-do-Chão ainda é tão mal estudada que ainda não permite aos pesquisadores dizer se o fenômeno é produzido pela natureza ou pela garimpagem. O senso comum, mesmo o derivado da simples observação visual, não tem dúvida: é a lavra de ouro, que se agigantou, se tornou mais forte e, com a omissão ou conivência do próprio governo, desafia as instituições com sua face de criminalidade.

 

A tarefa a desafiar os cientistas ainda é definir se o problema é cíclico, se consolidando e se desfazendo por si mesmo, ou se já causou uma mudança estrutural na qualidade física, química e biológica do Tapajós, chegando aos habitantes nativos das margens do rio através da cadeia militar. É a hipótese mais provável, considerando-se o alto consumo de peixe na região, que, como os ribeirinhos sane muito bem, carrega nas suas entranhas o terrível mercúrio, usado nos garimpos para separar o ouro, sem qualquer preocupação com as suas consequências.

 

Pode ser que agora, com a fama de Alter-do-Chão, as autoridades ajam com rigor, competência e honestidade no combate a essa agressão ecológica, preocupados com os milhares de turistas que fizeram do local um novo Caribe. Se assim for, os milhares de habitantes do Tapajós também poderão se beneficiar. Do contrário, será mais uma lamentação sem eco.




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