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Mineração: a via colonial

Lúcio Flávio Pinto - 24/01/2021

Barragens de Rejeitos da MRN - Créditos: Arquivo/ CarlosPenteado/CPI. Abril 2016

O Pará tirou Minas Gerais da sua tricentenária posição de maior Estado minerador do Brasil, com apenas quatro décadas de atividade mineradora empresarial, iniciada em 1979. O crescimento da economia mineral paraense foi acelerado, como poucas vezes aconteceu no mundo. A esmagadora maioria da sua produção é destinada a mercados internacionais, com quase nenhuma transformação industrial, dando ao Estado uma especialização colonial. Exportando cada vez mais, beneficia em seu próprio território uma fração do excepcional volume de extração de minérios, sobretudo o minério de ferro, o mais rico do planeta.

 

No ano passado, as exportações do Pará foram de 20,5 bilhões de dólares (mais de 100 bilhões de reais). O valor equivale ao PIB do Estado. Do total das exportações, US$ 17 bilhões são do que impropriamente o mercado agrupa no título de “indústria da mineração”. Na verdade, apenas US$ 3,5 bilhões seriam propriamente da indústria, enquanto US$ 14 bilhões seriam da mineração.

 

“Seriam”, em tese, porque US$ 1,1 bilhão foram lançados na conta da alumina calcinada, que não é produto final e sim um insumo industrial, utilizado na fabricação do alumínio primário.  A multinacional norueguesa Hydro/Alunorte é a mesma empresa que produz tanto a alumina quanto lingotes de alumínio, cuja exportação alcançou somente US$ 198 milhões, cinco vezes menos.

 

O Pará concluiu 2020 como o quarto maior exportador brasileiro. Como o comércio exterior paraense cresceu 15,11% sobre 2019, o Estado subiu uma posição, que antes era a 5ª do ranking nacional. E se manteve como o líder nacional em saldo de dividas. O Pará gastou apenas US$ 1,2 bilhão com importações. Forneceu ao Brasil, portanto. US$ 19,3 bilhões de cambiais líquidas. Nem os Estados mais poderosos tiveram desempenho igual.

 

Mas o Pará é o 14% em PIB (Produto Interno Bruto), que representa menos de 2,5% da riqueza nacional. Pior ainda é a sua posição em relação ao PIB per capita (a riqueza dividida pela população): é o 20º, com menos de 1% da soma nacional. A renda da exportação representa quase dois terços do PIB estadual; mais de 70% dela se origina da mineração, por sua vez especializada em minério de ferro, que depende de um grande comprador, a China, com 60% do total.

 

O que sobra desse circuito, pouco mais de R$ 3 bilhões, na forma de compensação financeira, vai quase todo para apenas dois municípios: Parauapebas e Canaã dos Carajás, que são também os dois maiores municípios mineradores do maior Estado minerador do Brasil. De mais de 3,7 bilhões de reais de compensação financeira, eles retiveram R$ 3 bilhões em 2020.

 

Quanto o Pará ganharia se dos incríveis 182 milhões de toneladas que foram exportados (quase dois terços para a China) do principal produto de exportação, o minério de ferro de Carajás, se uma parte maior fosse utilizada para gerar maior valor agregado?

 

Mas não como ferro gusa, cuja produção foi retomada, crescendo 102% sobre 2019, gerando exportação no valor de US$ 62 milhões. Ao longo da ferrovia de Carajás, entre o Pará e o Maranhão, chegaram a funcionar 21 guseiras, que se utilizavam de carvão vegetal, provocando intenso desmatamento na região.   

 

Com a volta do ferro gusa como o único beneficiamento do minério de ferro bruto em crescimento acelerado, o esquema colonial se fecha cada vez mais e continuará resultando nesse modelo concentrador, dependente e de commodities, que marcará o Pará entre contrastes e disparidades de renda. Não se conseguirá modificá-lo com negociação de bastidores, chantagem e toma-lá-dá-cá entre os agentes produtivos e a elite política ou empresarial local.

 

É preciso criar um debate público para formar a cultura adequada para tratar do problema e garantir interlocução técnica que supere a discussão emocional, passional, empírica ou voluntarista. É preciso saber do que realmente se trata e do que concretamente se quer. Do contrário, só sobrará mesmo, a longo prazo, o apito do trem e o retrato na parede.

 

(Publicado no site Amazônia Real)




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