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Uma praga chamada Bolsonaro

Lúcio Flávio Pinto - 17/01/2021

O Brasil se distingue, entre todos os países do mundo atingidos pela pandemia do novo coronavírus, por um componente inédito e insólito: o fator Bolsonaro. Nosso presidente da república, ao contrário dos demais, de direita, esquerda ou centro, cristãos ou muçulmanos, ricos ou pobres, contribui - e deliberadamente - para o agravamento da doença. Ele sabota, boicota e desdenha um dos vírus mais abrangentes, agressivos e letais que já apareceram no planeta Terra.

 

A primeira reação do ex-capitão (de carreira militar medíocre e de longa atividade parlamentar insignificante) foi burlesca. A covid-19 era uma gripezinha, um resfriadinho. Sua condição de atleta seria suficiente para imunizá-lo. Não adotou nenhuma das medidas de proteção - individual ou coletiva. Receitou a hidroxicloroquina como a grande panaceia.

 

Desfeita a falsidade, continuou recomendando tratamento preventivo para impedir o ataque do vírus, outra falácia. A cada nova informação científica, que lhe oferecia a oportunidade de corrigir suas mentiras e invencionices, reafirmou sua atitude medieval - por convicção, irresponsabilidade, insensibilidade ou má fé. A consolidação da pandemia não atrapalhava o seu projeto de poder. Poderia até ajudá-lo.

 

Uma morte a mais, mesmo 100 ou mil, que diferença faria? O tom cínico e debochado do presidente da república de uma das maiores nações do mundo nunca mudou. Enquanto o número de casos e mortes colocava o Brasil no 2º lugar mundial, Bolsonaro só se preocupava em safar os filhos das consequências legais dos seus procedimentos criminosos, o menos grave deles na forma de confisco ilícito do dinheiro de seus dependentes e agregados funcionais (a relação com milícias é muito mais danosa). E em se manter no poder, empenhando-se em exercê-lo de forma crescente até o absoluto, o poder pessoals em limites.

 

Na eleição de 2018, por uma conjunção de fatores sempre a desmentir nossa presunção de filhos preferidos do Deus da criação, Bolsonaro era o homem errado na hora certa e no lugar certo. Ele deveria agradecer ao acaso e ao padrasto da esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vitória. Surpreendentemente, porém, conquistou outro título suspeito: foi o primeiro presidente eleito no Brasil (talvez no mundo) que denunciou a prática de fraude na eleição (formalmente, inatacável). Tiraram-lhe votos para impedi-lo de ser eleito já no 1º turno, com uma autoridade e legitimidade totais, conforme sua pretensão messiânica.

 

Sem qualquer prova para sustentar a acusação, espertamente, Bolsonaro apontou o voto eletrônico como o culpado. E preparou a arma que iria usar contra uma nova disputa eleitoral, certamente mais difícil do que a ultrapassada, em 2022: a falta de voto impresso em papel para confirmar a pureza do processo. Provas, novamente, ele não tinha. Mas se apossava de um elemento material, visível, factível. O argumento seria mais poderoso do que a vaga queixa de manipulação da vontade do eleitor. A democracia, sem a qual o ex-capitão do exército não teria sido eleito, já estava ameaçada por ele mesmo. Com a maior antecipação de que se tem notícia na história.

 

Incapaz de cumprir regularmente as suas funções de chefe do governo federal, dedicando-se quase tão somente à guerrilha na internet e às técnicas de manipulação de massa, Jair Bolsonaro é o fator de alimentação da tragédia em curso. As crises que provoca com suas declarações e atos insensatos é cotidiana, às vezes diária. Ele é uma torrente dessas agressões verbais a tudo e todos, mas trata-se de um caos planejado. O projeto de Bolsonaro é um ser que viceja no pântano, na fatalidade, na intolerância, no antiintelectualismo, no fanatismo, na confusão, na incerteza. Disso ele entende.

 

Suas mensagens via internet, reunidas, formariam um volume considerável da cultura anti-humanista, totalitária, abjeta. No entanto, o que ele diz é recebido por seus seguidores como a tábua da lei, a fonte cristalina do saber e da verdade, o catecismo da ação, a pedra de toque da salvação. Por isso, Bolsonaro não deixa de parar diariamente diante do chiqueirinho em que o esperam seus adoradores, supondo-o mito celestial, para transformá-los em eco dos seus bordões insanos, que espantam, assustam e revoltam quem não integra essa confraria.

 

Os confrades não se importam se num dia Bolsonaro desdiz o que disse antes e se carimba como verdadeiro o que declarara falso, se desfaz o que fizera, como, agora, com a insidiosa "vacina chinesa do Doria", a Coronavac, que seu desfibrado e incompetente general-ministro da Saúde quer confiscar para usar na programado lançamento da vacinação da próxima quarta-feira, às 10 horas. Quem a tomar não irá se transformar em jacaré, como previu o presidente, no seu jeito amolecado de ser.

 

Tudo pontualmente anunciado, depois de sucessivos "desanúncios", como diria Ionesco, no teatro do absurdo, enquanto um jato comercial espera pela ordem de partida para buscar uma carga de dois milhões de vacinas na Índia, onde a carga ainda não existe; enquanto o ponteiro do relógio do governo avança a passo de cágado e a movimentação nos hospitais e cemitérios corre como numa competição de 100 metros rasos; e enquanto o presidente atribui ao calor (além da nova cepa amazônica) e o vice-presidente à chuva a terrível velocidade do contágio do vírus.

 

Se ainda há dignidade e fibra na sociedade brasileira, uma tarefa de salvação nacional se impõe: tirar Bolsonaro imediatamente da presidência da república, pelos meios legais disponíveis, como se fez com Dima Rousseff (muito menos culpada), fazendo-o levar com ele a sua fauna acompanhante, para que o país possa, de verdade, para valer, combater os males que Jair Messias Bolsonaro agravou.




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