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Vacina e universidades: Farinha pouca, meu pirão primeiro!

Mary Cohen - 12/01/2021

Duas universidades públicas do Pará, a UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Pará, sediada no município de Santarém, e a UFRA –Universidade Federal Rural da Amazônia, sediada na capital Belém, informaram, em seus comunicados nas redes sociais, a intenção de comprarem 10 mil e 12 mil doses, respectivamente, de vacinas contra a COVID-19 junto ao Instituto BUTANTAN (SP). O objetivo seria imunizar parte da comunidade acadêmica.

 

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Esses comunicados geraram manifestações indignadas de cientistas, epidemiologistas e da comunidade em geral, inclusive na contramão da UFPA – Universidade Federal do Pará, que divulgou manifestação pública acerca dos procedimentos adotados sobre a vacinação.


Não é crível que, após quase um ano de pandemia, com mais de 200 mil famílias enlutadas, a vacina, tão ansiosamente aguardada e única forma eficaz para o enfrentamento da doença, esteja sendo objeto de desejo de duas instituições públicas, que deveriam estar na trincheira pela vacinação gratuita e universal pelo SUS e não pelo enfraquecimento da imunização coletiva no Brasil.


Muito oportuno citar a Universidade Federal do Pará, a qual, através dos seus grupos de trabalho (GTs), vem colaborando com os órgãos do sistema público de saúde no combate à COVID-19.


Segundo a UFPA, a vacinação é mais uma etapa desse processo e a instituição já está em diálogo com os órgãos de saúde pública, a fim de contribuir para o acesso da população à vacina.


“O Grupo de Trabalho da UFPA sobre o Novo Coronavírus entende que a vacinação contra a Covid-19 deve ser realizada de forma universal, garantida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no contexto do programa nacional de imunização, sem privilégios. O protocolo de vacinação deve seguir regras específicas, sempre em consonância com os dados epidemiológicos que definem os grupos populacionais mais vulneráveis, com maior risco de desenvolver doença grave. Tentar acessar as vacinas à parte de um planejamento de vacinação de toda a população é trabalhar contra uma política de saúde pública universal e equânime no enfrentamento da pandemia; é contribuir para a fragilização do SUS e para o aumento da desigualdade no país. A UFPA, Universidade Pública comprometida com a sociedade, com a ciência e com o SUS, deve continuar envidando esforços em prol da proteção e do cuidado indistinto a toda a população”.

 

Assim se manifestou o GT da UFPA sobre o Novo Coronavírus, presidido pela professora Rita Medeiros, médica infectologista.

 

Rita Medeiros destaca por que a vacinação precisa atender a critérios epidemiológicos: “Os dados epidemiológicos servem para apontar quais grupos são mais vulneráveis à doença e, portanto, devem ser priorizados em uma política pública de saúde. Não haverá vacina de imediato para todo mundo, por isso é preciso priorizar para que a vacina auxilie na redução da mortalidade pela doença. Sem essa consciência, não ajudamos a resolver o problema e a frear coletivamente as consequências devastadoras da pandemia”.

 

Para o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho, “Nosso papel, como Universidade Pública Federal, é somar esforços com os órgãos competentes para que a vacinação chegue da maneira mais rápida e eficiente possível a toda a população. Não nos cabe disputar com os próprios órgãos públicos de saúde a compra de vacinas, muito menos furar a fila de vacinação e atender grupos que não são prioritários neste momento. 
Não podemos contribuir para acentuar a desigualdade e aprofundar a crise sanitária”.


A iniciativa das duas universidades, UFOPA e UFRA, é excludente e mais grave ainda quando se pretende gastar dinheiro público com vacinação de um grupo de “ungidos”, sendo a maioria jovens sem risco da doença de forma grave, num cenário onde a população ainda não tem esse benefício garantido.


A prática do ditado popular “farinha pouca, meu pirão primeiro” é condenável sob todos os aspectos, especialmente numa pandemia como a que estamos vivendo.


*Mary Cohen é advogada




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