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A triste rotina do coronel Nunes, presidente da CBF, que não decide nada na entidade

O Globo - 27/09/2018

Dirigentes dos principais clubes brasileiros se sentam à mesa. Na cadeira central daquela reunião, na sede que até há pouco tempo se chamava José Maria Marin, está o coronel Antônio Carlos Nunes de Lima. O vigor dos tempos de comando na Polícia Militar do Pará ficou no passado daquele senhor já octogenário. Hoje no cargo mais importante do futebol brasileiro, costuma ser sucinto nas discussões das quais participa. Abriu o encontro com uma frase protocolar: “Com a bênção de Deus, declaro aberta esta reunião.

E nada mais. Nunes foi eleito vice-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em dezembro de 2015, aos 77 anos, em uma manobra de Marco Polo Del Nero para evitar que adversários políticos assumissem sua vaga caso fosse afastado por causa das denúncias de recebimento de propina — pelo estatuto da entidade, o vice-presidente mais velho se torna o primeiro na linha de sucessão. O coronel assumiu o gabinete presidencial pela primeira vez em 7 de janeiro de 2016, quando Del Nero pediu licença para se defender das acusações de corrupção. Ficou três meses no cargo. O status de presidente em exercício caiu novamente em seu colo em dezembro de 2017, com o banimento de Del Nero do futebol por determinação da Federação Internacional de Futebol (Fifa), acusado de suborno e corrupção. Ricardo Teixeira e José Maria Marin, os dois antecessores de Del Nero, sofrem das mesmas acusações. Marin está preso nos Estados Unidos e Teixeira não viaja mais com medo de ter o mesmo destino.

O dono da caneta da CBF dá expediente todos os dias úteis na sede na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde dirige o ritual nas reuniões de diretoria. Mas não é quem define onde usará sua assinatura. As decisões administrativas da entidade são comandadas pelo diretor executivo de gestão, Rogério Caboclo, presidente eleito — com a bênção de Del Nero — para assumir a CBF em abril de 2019. Ou seja, faltam sete meses para a passagem definitiva do bastão. Nas questões políticas, a missão é do secretário-geral, Walter Feldman, que costumeiramente faz a interface com os clubes.

"O presidente Nunes cumpriu um papel de enorme estabilização da CBF no período difícil que vivemos. É a figura adequada para o momento que a CBF passou e permitiu dar continuidade a todos os programas, planos, diagnósticos, mudanças. Ele participa de tudo, dirige as reuniões de diretoria, é ouvido nas questões importantes, põe assinatura nas decisões, participa conosco diariamente das questões que passam na instituição. Ele tem um perfil que é o ideal", ponderou Feldman.


A atuação de Caboclo, segundo o presidente da Federação Pernambucana, Evandro Carvalho, ganhou relevância não pela inoperância do Coronel, mas pelo aval de Del Nero.

“A função do presidente da CBF é de representação. Ele vai, mesmo com a idade. Responde às demandas. As ações efetivas de execução de projetos ficam nas áreas específicas, e Rogério coordena isso. O empoderamento do Rogério cresceu com o Marco, não foi com o coronel”, afirmou.

Enquanto a caneta não muda de mãos, a CBF desce a ladeira em ponto morto. Como forma de respeito, quem está no banco do carona — Caboclo e os outros diretores — não pode assumir o controle de forma explícita. Mas eles dão aquela puxadinha no volante — ou no freio de mão, quando o carro está prestes a bater. Cautelosamente arquitetada, a engrenagem interna foi preparada para evitar que presidentes interinos deixem marcas profundas. Como não participa das decisões que fazem a engrenagem da CBF se mover, a rotina do Coronel Nunes envolve assistir TV durante a maior parte do tempo. O dirigente é telespectador assíduo dos programas de discussão futebolística tanto pela manhã quanto pela tarde.

O deputado federal Marcus Vicente (PP-ES), o primeiro a substituir Del Nero na licença em 2015, só durou um mês no cargo porque insinuou mexer na estrutura administrativa sem consentimento da cúpula. “A CBF tem seus departamentos muito bem definidos. Competições, Registro, Marketing, Seleções... Todos os departamentos trabalham de forma profissional e fazendo o que têm de fazer. É como se fossem ministérios”, disse Marco Aurélio Cunha, responsável pelo futebol feminino na CBF.

Sem a chave do departamento, nada se altera. A tutela sobre o coronel Nunes, no entanto, não deu certo. Sua ida à Copa da Rússia foi planejada como sempre: um momento para que o militar se fardasse com os agasalhos e bonés oficiais da Nike, aproveitando-se da proximidade dos craques. Mas o destino lhe deu responsabilidade maior, e, no último Congresso da Fifa, um dia antes da abertura da Copa, só ele poderia cumprir a missão de votar na candidatura tripartite de Estados Unidos, México e Canadá na eleição para sede da Copa de 2026, conforme havia sido combinado com todas as federações da América do Sul, que votam em bloco. Mesmo instruído, o coração dele se compadeceu com o projeto do Marrocos, que nunca sediou um Mundial. Depois, tentou se esquivar dos jornalistas.

“O que o senhor achou da eleição dos Estados Unidos?”

“Rapaz, eles já fizeram Copa, não é? Era bom que fosse no Marrocos. Porque nunca teve lá.”

“O senhor votou no Marrocos?”

“É segredo.”

“A Fifa divulgou seu voto, coronel.”

“Divulgou? Não sei como estava lá. Dei para meu colega votar.”

O flagrante causou um incidente diplomático que ainda reverbera na política esportiva do continente. A candidatura tríplice ganhou, mas a traição jamais foi perdoada pelos cartolas sul-americanos e, de lá para cá, o coronel não participou mais de reuniões da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). Ato contínuo, Nunes foi isolado. Na Rússia, só foi a Sochi uma vez, antes da estreia do Brasil. No início de setembro, não foi aos dois amistosos da Seleção Brasileira nos Estados Unidos, nem ao encontro do Conselho da Conmebol, em La Paz, na Bolívia, na segunda-feira 17.

Quem encampou a missão de paz entre o Brasil e o bloco que apoiou EUA-México-Canadá foi Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República José Sarney, um dos vice-presidentes da CBF e membro do Conselho da Fifa. Principesco entre os cartolas e acostumado aos bastidores, foi Sarney quem passou pelo constrangimento de receber, nos corredores dos hotéis russos, o agradecimento sincero dos africanos.

 


Nunes tem ciência do erro que cometeu. Já confidenciou a cartolas próximos que também prefere não aparecer no círculo de dirigentes do continente, a fim de não ser cobrado. Em Moscou, o coronel foi alvo de ofensas de um torcedor em um restaurante. No episódio, o assessor Gilberto Barbosa, conhecido como Giba, acertou um copo na cabeça do turista brasileiro. Walter Feldmanesteve na Conmebol esta semana e assegura que o voto do Coronel é assunto superado.

O coronel Nunes não é afeito a discursos empolados, comuns entre executivos treinados e experientes. Por sua faceta irreverente e imprevisível, a CBF evita colocá-lo como “rosto” e porta-voz da entidade — nunca organizou uma entrevista coletiva formal do coronel.

Além do voto no Marrocos, Nunes tem histórico farto de gafes. Chamou certa vez o presidente da Fifa, Gianni Infantino, de Giannini. Já errou o clube de origem do presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez — disse que era o Cerro Porteño, mas se trata do rival, Olimpia. Dirigente ligado ao Paysandu, falou em 2016 — e não estava brincando — que Dado Cavalcanti, então técnico do time paraense, era o melhor técnico do Brasil. Durante a Copa na Rússia, em conversa com jornalistas confundiu o Mar Negro, que banha a cidade de Sochi, onde o Brasil ficou concentrado, com o Mar Vermelho, a 200 quilômetros de distância. Disse ainda que a Seleção Brasileira poderia ser a primeira seleção não europeia a ganhar uma Copa no continente — o Brasil venceu seu primeiro mundial na Suécia.

Aos mais próximos, o coronel gosta de contar histórias vividas no Pará, onde nasceu e passou boa parte de sua vida. No estado, serviu a Força Aérea Brasileira (FAB) por dez anos e, em 1967, ingressou na Polícia Militar — aposentou-se como coronel em 1991. Por sua atuação como comandante do batalhão da PM de Santarém, no oeste do Pará, região vista como estratégica pelos militares no início dos anos 70, foi nomeado prefeito biônico de Monte Alegre — município onde nasceu — em 1977.

Nunes virou cartola de futebol enquanto subia na hierarquia da PM. Em 1974, tornou-se presidente da Liga Esportiva de Santarém. Depois, presidente do Conselho Deliberativo do Paysandu e, em seguida, diretor de Futebol. Durante duas décadas presidiu a Federação Paraense de Futebol.

Apesar dos bons serviços prestados ao regime militar, o coronel Nunes recebe hoje uma indenização mensal de R$ 9 mil como anistiado político — além da indenização retroativa de R$ 243.416,25 que recebeu em 2003. O motivo foi ter sido obrigado a encerrar o serviço de cabo em razão de uma Portaria baixada pelo Ministério da Aeronáutica em dezembro de 1964 que tinha como objetivo afastar outros militares de mesma patente lotados no sul do país e críticos ao regime. O ministro José Eduardo Cardozo chegou a anular a anistia do coronel Nunes em julho de 2012, mas voltou atrás. A indenização continua a ser paga.

Além de evitar novas gafes, as ausências do coronel Nunes nas viagens se devem também a sua saúde. Em 2017, depois da viagem da Seleção Brasileira para amistosos na Austrália, Nunes ficou 50 dias internado. Por pouco não passou por um transplante de coração. Tudo por causa de uma endocardite. Segundo o dirigente, uma bactéria se formou no intestino e foi parar na válvula mitral. A alternativa ao transplante foi submetê-lo a um tratamento forte com antibióticos.

O tempo em cima da cama comprometeu a força muscular. Por isso, a bengala virou companheira. Hoje ele tem uma rotina de atividades físicas na academia que fica no subsolo da sede da CBF. “Ele está caminhando, faz musculação na própria CBF. Depois daquele problema de 50 dias, perdeu massa, faz fisioterapia com recuperação muscular”, explicou Jorge Pagura, que comanda a comissão médica da CBF e acompanhou Nunes durante a Copa do Mundo.

No Brasil, as viagens de Nunes estão liberadas, mas a presença em eventos foi reduzida — recentemente, representou a CBF no aniversário do Palmeiras, em São Paulo. Seus assessores sempre carregam o contato de médicos e hospitais para eventuais emergências. A alimentação é outra preocupação, já que o coronel é diabético.

Em que pesem as restrições, o coronel Nunes faz questão de cumprir a agenda quando se trata da Copa Verde. Por envolver os clubes das regiões Norte, onde fez sua carreira, e Centro-Oeste, a competição é seu xodó. Nunes já plantou árvore na mata para divulgar o torneio e até esteve no mês passado em uma reunião na hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, acompanhado por Walter Feldman, na discussão de eventual patrocínio da empresa para a copa.

 




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