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Os extremos políticos no Pará do século XX

Lúcio Flávio Pinto - 16/09/2018

Imagens: Acervo da Faculdade de Arquitetura/UFPA -

Como vivem os homens que governam o Brasil é um livro rústico, com papel ruim, 443 páginas, publicado no Rio de Janeiro, a capital federal. Não tem data, mas é de depois da revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República, e do golpe de 1937, que colocou a ditadura de Getúlio Vargas no poder, com o Estado Novo. Foi escrito, no clima político de restrição à liberdade, por João Lima, que se declara membro da Sociedade dos Homens de Letras do Brasil.

São, como ele define, “reportagens retrospectivas em torno das figuras que passaram pelo poder público na federação e nos Estados”. Dos 108 biografados, do Pará são apenas cinco: Dionísio Bentes, Eurico Vale, Souza Castro, Lauro Sodré e Magalhães Barata.

Selecionei os perfis de Eurico Vale e Magalhães Barata, que viveram um momento de conflito na passagem da República Velha, dos coronéis, para a República Nova, dos tenentes. É um retrato do político que havia no Pará nessa ocasião.

 

EURICO VALE

Professor de Direito, deputado federal, vice-presidente da Câmara e governador do Pará.

Descendente de família maranhense, a família Vale, a que se prendia a história sentimental de Gonçalves Dias, Eurico Vale, nascido em Belém, paraense, portanto, na capital do seu Estado fez os seus cursos preliminares, entregando-se mais tarde aos estudos do Direito. Bacharel, entrou a advogar e lecionar

A vida lhe sorria, satisfatória, num ambiente propício à sua atividade.

Temperamento sereno, atitudes comedidas, escrupuloso, foi muito fácil ao brilhante causídico conquistar um lugar destacado no foro, bem como firmar uma reputação no professorado paraense.

Quis, porém, a política interromper a sua ação naqueles dois setores da sua atividade. Era governador Souza Castro, cujo partido precisava renovar os valores.

Na primeira organização de chapa, para a representação nacional figurou, para deputado, o nome do advogado nortista, vindo Eurico Vale para a Câmara, com uma auréola de homem do foro e do ensino superior. Pisou firme, na cena federal, sendo-lhe reservada, após, a vice-presidência da Câmara, no lugar do sr. Dionísio Bentes, que fora assumir o governo do Estado, em substituição de Souza Castro. Como vice-presidente, teve, por vezes, de assumir a presidência, e de dirigir sessões tempestuosas.

A oposição parlamentar, no momento, era bem forte. A Câmara tinha, na época, um grupo de deputados que não timbrava pela calma, nem, por vezes, pela coerência. Era uma oposição virulenta, crua, destemida em face, também, de uma situação em que predominava o estado de sítio, em nada compassivo. Antonio Carlos, como líder da maioria, havia deixado o seu posto para assumir o governo mineiro.

Viana do Castelo teve de substituí-lo na liderança.

Em cena, numa digladiação de todos os dias, viam-se na tribuna Adolfo Benjamin, Azevedo Lima, Leopoldo de Oliveira, além de outros. Diante, porém, dos casos de ordem, nunca sofreu a sua consciência jurídica.

Pouco depois, Eurico Vale era levado ao governo do seu Estado. O Pará recebeu-o de braços abertos, pela certeza de ter à frente da sua vida administrativa um moço cujo passado era uma recomendação. E, de fato, o novo governador levou para a administração o que era de mais precioso – um programa compatível com o momento a ser executado por uma consciência de verdadeiro republicano.

Governou pouco mais de dois anos. Quando a sua administração caminhava ao par das necessidades paraenses, rebentou o movimento revolucionário. Foi Eurico Vale o único governador que não abandonou o seu posto, indo a sua autoridade além da hora da vitória final, aqui, do sr. Washington Luís.

A 24 de outubro, depois de 11 horas da noite, conhecida a extensão dos movimentos do Rio, foi ao palácio uma comissão omposta de Abel Chermont, capitão Álvaro Cabo, capitão Ismaelino, Mário Chermont e Rogério Coimbra.

Eurico Vale passou, a essa hora, a administração àqueles cavalheiros, os quais se constituíram em junta governativa, retirando-se para a sua residência particular.

Nos dias que se seguiram, prestou contas de seu governo. A junta encontrou tudo em ordem, atestando a lisura da administração anterior.

Com a posse de Magalhães Barata, na interventoria, decorridos quase dois meses, viu-se o ex-governador preso, convidado a entrar com importâncias dispendidas pelo ser governo, coisa que não veio, aliás, modificar o conceito em que era tido o ex-chefe de Estado.

Eurico Vale, logo depois desse desacato inexplicável, voltou ao Rio, onde montou banca de advocacia, jurando aos seus deuses nunca mais se envolver em política.

E, de fato, entregou-se aos labores do foro e do ensino superior.

A política não mais entrou na sua residência, e muito menos nas suas cogitações.

Melindrado justamente na sua terra, onde procurava manter íntegra a sua dignidade de homem público, não mais pôde esquecer as agruras passadas em Belém, sendo aqueles lôbregos acontecimentos o maior estímulo a fazer do estudo e do trabalho forense o seu melhor apostolado.

Quem o quiser ver no Rio, é ir ao seu escritório ou à escola superior, onde leciona.

Vive, Eurico Vale, com modéstia, mas com conforto, pobre, mas honesto, tendo tranquila a consciência, por haver governado bem a terra paraense, para cujo progresso contribuiu com a sua inteligência e o seu patriotismo.

 

MAGALHÃES BARATA

Aparecia de regalo, denotando nas atitudes tendências ao despotismo; ninguém, entretanto, mais sensível à lei e ao direito.

Forte, diante do forte, e complacente diante do fraco, iracundo por vezes, intempestivo quase sempre, numa tempestade de nervos dir-se-ia mau, capaz de todas as violências. Entretanto, mal denunciada a bonança ninguém o excede em afabilidade, doçura e vibrações generosas e na prática da justiça.

Educado na caserna, entre o cumprimento do dever e as ciências positivas, não compreende tergiversações nem sofismas, mormente quando se trata do interesse público. Assim é o coronel Joaquim Magalhães Barata, a quem o Pará serviu de berço e em cujo governo já esteve na realização de uma obra admirável.

Em todo o percurso de sua existência, marcada, de um lado, pelas reações, de outro pela eficiência de sua ação, há mostrado, à saciedade, a força de vontade ao serviço da nação.

Reacionário por índole, em sua terra, ainda rapaz, tomou parte em vários movimentos cívicos. Pela Escola do Realengo não foi mesmo serena a sua passagem. Como oficial esteve por vezes envolvido em pequenos atritos, um dos quais na Bahia, com estudantes.

Coisas de moço. Mais tarde, quando os militares foram convidados a formar na coluna política, para o preparo da revolução, um dos que se filiaram àquela corrente foi Magalhães Barata, cuja atitude se fez notar de modo a alarmar as hostes governamentais, tendo empreendido algumas viagens daqui para o norte na articulação de elementos tendentes à revolução. Nessa peregrinação sofrera sérios aborrecimentos. Vitorioso o movimento nacional, galgou o governo do Pará, dando-lhe uma feição interessante, no prosseguimento dos valores e na abertura de novas fontes de receita, sem com isso sacrificar o contribuinte nem o interesse geral. Ação pronta, enérgica, medida das necessidades públicas, procurou num primeiro instante os se ntimentos auscultar os sentimentos da coletividade paraense, levando a efeito um programa que fala às realidades do Estado. E com isso, o ilustre militar, que é de fato, uma alma de patriota, estimulou as forças vivas da sua terra para, com isso, traçar um novo rumo à grandeza do estado. Contrariou, é certo, interesses pessoais, objetivando o interesse público.

Na concretização de seu plano, o homem de governo nunca encontrou om impossível, porque para eliminar barreiras teve a seu serviço um ânimo forte, com o qual seria capaz de arredar todos os óbices. É que, por si, as dificuldades são diversões à sua têmpera forte de trabalhador sistemático.

Afeito a isso, o governante foi mais feliz, na administração do que na liderança política, por isso que faltou ao regime uma certa ductilidade ao contato com a política, o que determinou o fracasso da sua candidatura ao governo constitucional em 1935. E depois, voltando às fileiras [do Exército], exerceu várias comissões a que deu brilhante desempenho.

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Este capítulo estava escrito quando o coronel Barata foi investido, novamente, na intervenção do Pará.




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