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Claustrofóbica

Rosélio da Cosa Silva - 15/02/2018

Lembro com muita simpatia encontros fortuitos. São minhas saudades preferidas. Quantos encontros! Quanta gente interessante! Conversa animada e despretensiosa; isso acontece muito, e com maior frequência, a bordo dos aviões. Acredito que as pessoas e os aviões ficam mais leves quanto estão em velocidade de cruzeiro: não há tempo para detalhes, leituras de rodapé, entrelinhas. As pessoas conversam mais pelo texto.

Lembro-me da moça de mãos bonitas, um dos mais gratificantes achados a bordo. Conversa com ídolos da música, quantos!... Conversa com pessoas desconhecidas e que, depois, apresentaram suas credenciais através de conversas proveitosas. Gente simples de quem conseguimos trazer à superfície   tesouros acorrentados nas profundezas aparentemente insondáveis da simplicidade. Que beleza!

Uma das últimas experiências foi com uma jovem bonita, lábios rosados, sorriso fácil. Sentava sozinha junto a porta de emergência, “para esticar as pernas em viagens enfadonhas”, confessou antes mesmo da decolagem.

Avião estabilizado, em modo cruzeiro, virou-se para trás para conversar comigo, companheiro de viagem da poltrona de trás. Falamos de coisas banais pelo vão das poltronas e logo sugeriu, educadamente, que seria mais confortável para ambos, se eu mudasse para a poltrona ao seu lado, para evitar torcicolo. Mudei.

Uma moça jovem, inteligente, perspicaz, que gostava de arte numa perspectiva ampla. Estudara “liberal arts” na América, pelo que entendi. Compunha. Gostava de literatura. Teria 25 anos? Não. Menos. Não sei. E talvez essas incógnitas todas façam parte de uma equação instigante que pessoas educadas não devem tentar resolver sob pena de perder obra imbricada de banalidades e drinques. A bordo essa combinação funciona como vento de calda que ajuda antecipar a chegada. Como consequência, deixa uma saudade danada que se prolonga por uma eternidade...

Era claustrofóbica, confessou lá pelo meio da viagem, daí a necessidade de companhia que ajudasse a vencer as tantas milhas até o nosso destino comum.

Na despedida apressada, já na esteira a caminho do carrossel de bagagem, prometeu ligar e procurar as minhas crônicas na internet. Ao se distanciar, não parecia ser mais a mesma pessoa. Não era mais a passageira angustiada, submetida ao cabresto de uma cabine e seu elenco de fantasmas; apenas pedestre.  E desapareceu!...

Ontem, por obra do destino, tomei um voo que me reservou aquele assento próximo à porta de emergência. Olhei para a poltrona do lado, vazia, e lembrei com melancolia banal aqueles lábios cor de rosa e o sorriso fácil. Uma lembrança boa. Nada mais. Uma lembrança boa.




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