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Vamos extinguir o TCM?

Lúcio Flávio Pinto - 07/11/2017

Créditos: Fachada do Tribunal de Contas dos Municípios. Foto: Divulgação TCM

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal reconheceu ser possível a extinção de Tribunal de Contas dos Municípios através de emenda constitucional estadual. Por maioria, a corte julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil. A entidade questionava emenda feita à constituição do Ceará, aprovada em agosto, que extinguiu o TCM do Estado. Com essa decisão, restam apenas os TCM de Goiás, Bahia e Pará.

O ministro Alexandre de Moraes divergiu do relator. Para ele, a extinção desses tribunais “reduziu o poder de fiscalização de forma deliberada”. Entendeu que o ato dos deputados caracterizou um desvio de finalidade, “principalmente quando, às vésperas da eleição, 29 deputados estaduais que votaram pela extinção do tribunal tiveram suas contas rejeitadas exatamente por este órgão”.

A emenda, para o ministro, fere o artigo 34, inciso VII, alínea d, da Constituição, ao permitir a intervenção do estado-membro na prestação de contas da administração pública direta e indireta. O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência. Os dois foram vencidos pelos votos de Marco Aurélio de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

O relator, Marco Aurélio de Mello, contestou a alegação. Disse que sem elementos probatórios suficientes não é possível reconhecer se houve desvio de poder de legislar da Assembleia Legislativa do cearense. “A fraude na edição de lei com o objetivo de alcançar finalidade diversa do interesse público deve ser explicitada e comprovada”, disse ele.

O ministro sustentou a possibilidade de extinção de tribunal de contas responsável pela fiscalização dos municípios mediante a promulgação de emenda à constituição estadual. Já a constituição federal não proibiu a supressão desses órgãos. “A assembleia de 1988 limitou-se a reconhecer a existência de estrutura dúplice de controle em determinados estados sem torná-la obrigatória. A instituição de tribunal de contas específicos não foi tida como essencial”, afirmou no seu voto.

Aquestão que vem depois de mais essa iniciativa é: por que não por fim de vez aos três tribunais que sobrevivem? Espero ajudar a responder à questão reproduzindo artigo que escrevi na minha coluna diária em O Liberal de janeiro de 1986.

 

ARTIGO

O Conselho [atual Tribunal] de Contas dos Municípios do Pará começou torno, os nobres propósitos de sua criação usados como instrumento para a realização de objetivos políticos pessoais. A tortuosidade, ao invés de ser corrigida, está sendo acentuada pelas últimas modificações introduzidas na sua estrutura, graças a um acerto que envolveu o Conselho, o Executivo e o Legislativo, à custa do dinheiro do contribuinte,

A tortuosidade recente começou pela aprovação da lei 5.292, de 17 de dezembro do ano passado, cujo texto original a Assembleia Legislativa, no tradicionalmente desatento período de sessões extraordinárias, refez. Embora ordinária (formal e moralmente), a nova lei modificou uma lei orgânica anterior, que criava o Conselho. Já aí estava consumado o delito de subversão hierárquica: os deputados a aprovaram em votação singular, sem quorum qualificado e sem reapresentação. E assim uma lei menor passou a modificar uma lei maior, que já entrara em contradição com norma legal superior (a lei complementar, federal, do Ministério Público).

A nova lei aumentou exageradamente o quadro técnico do Conselho. Para auxiliar sete conselheiros, o CCM dispunha originalmente de três procuradores e quatro auditores. Agora, terá oito procuradores e oito auditores. Todos os procuradores ingressarão na carreira pública sem concurso, sem se submeter a verificação de títulos e no topo da carreira.

Cada um ganhará, se não houver outras vantagens pessoais (certamente conferidas ao procurador-geral), 10,8 milhões de cruzeiros por mês, incluídos os adicionais de representação. Três dos procuradores e quatro dos auditores foram nomeados em 1982, em caráter de emergência, porque o órgão era recém-criado.

O normal seria que a precariedade do provimento fosse sanada com a regularização da situação. O contrário é que ocorreu: por um ato discricionário, o governador não só efetivou os primeiros técnicos como nomeou os demais, metade dos quaisseus parentes, parentes de outros membros do governo e do partido político que o apoia.

Pelas normas estaduais e federais, em vigor desde 1982, o cidadão que quiser ser membro do Ministério Público precisará se submeter a um concurso público de provas e títulos e ainda fazer uma prova de tribuna. Nos dois últimos concursos realizados, 400 advogados se submeteram a provas e apenas 130 passaram.

Admitidos, os vencedores começaram a subir os degraus da carreira, como promotores de terceira entrância, no interior do Estado. O topo, a procuradoria, na capital, só é alcançado após vários anos, especialmente porque os concursos têm que obedecer ao espaçamento mínimo de dois anos.

Os novos procuradores do CCM, porém, são privilegiados: não precisarão fazer carreira, enfrentando distantes e inóspitas comarcas interioranas, vão ganhar salário de fim de carreira, não se submeteram a concurso algum e poderão até desempenhar tranquilamente outras funções, graças à reduzida carga de trabalho. No entanto, são tão procuradores quanto qualquer outro colega de trabalho que tiver alcançado a posição depois de peregrinar pelos vários níveis de promotoria pública.

O absurdo pode parecer apenas um caso de favorecimento pessoal, mas vai muito além disso, embora bastasse esta dimensão para forçar os legisladores, a autoridade administrativa e os conselheiros do CCM, individualmente ou em conjunto, a propor a imediata revisão da situação irregular criada.

Mais grave ainda do que a prática do nepotismo é o quinto constitucional que se criou. Os procuradores não são procuradores do Conselho (ou do Tribunal de Contas do Estado). Eles são procuradores do Ministério Público junto ao Conselho (ou ao Tribunal). A confusão entre as duas condições esteve presente na lei de dezembro e nos primeiros decretos de janeiro, corrigidos em seguida por outros decretos de nomeação.

Foi um corretivo puramente formal, no entanto: os procuradores do Conselho, como os do Tribunal, são corpos estranhos ao Ministério Público do Estado. A ele estão vinculados apenas na letra morta da lei ordinária. Na prática, não têm qualquer vinculação ao MP, não integram o colégio dos procuradores, não recebem seus salários pelo MP, não fazem  parte do seu quadro de pessoal e não se subordinam nem mesmo às leis complementares (federal e estadual), que definiram e regulamentaram a ação do órgão.

Como, nessa condição, podem os procuradores agir com independência, como promotores do interesse público junto às instituições de auditagem das contas públicas? Na verdade, estão atados funcionalmente a um órgão dentro do qual precisariam atuar com autonomia, como fiscais da lei, condição ainda mais complicada pelo imbróglio familiar que a prerrogativa da nomeação proporcionou.

Como acreditar que os ditames da lei e os compromissos da instiuição estão sendo cumpridos se há sempre uma mão lavando a outra nesta sucessão de elos originários de uma mesma matriz? Quem não respeita a si próprio não respeita as instituições. E vice-versa. O exemplo citado é mais uma comprovação desta verdade.




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