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Santarém, em 1969, perdia autonomia para escolher seu prefeito

Lúcio Flávio Pinto - 12/09/2020

Alacid Nunes, à esquerda, e Elias Pinto, quando desfilava em carro aberto por ocasião de sua posse na prefeitura de Santarém - Créditos: Portal OESTADONET/Arquivo

Em 12 de setembro de 1969, Santarém foi declarada área de segurança nacional, através de decreto assinado pelos ministros da Guerra, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica Militar, conforme registrado no preâmbulo do documento.

 

Nove dias antes, os ministros formaram uma junta militar tríplice para substituir o presidente da república, marechal Costa e Silva, que sofrera uma trombose, se afastara do governo e morreria sem conseguir reassumir o cargo. A constituição em vigor, promulgada pelo próprio regime militar dois anos antes, fora ignorada. O vice-presidente, o jurista Pedro Aleixo, foi impedido de substituir o presidente, conforme a categórica regra constitucional.

 

A principal consequência da declaração de Santarém como área de segurança nacional foi a extinção da eleição direta para o principal cargo municipal. A partir daí, o prefeito seria interventor federal, indicado pelo governador do Estado, nomeado pelo Palácio do Planalto.

 

O primeiro interventor foi o capitão aposentado do exército Elmano de Moura Melo, que era de fora. Os cinco interventores seguintes, políticos locais ou técnicos, foram Everaldo de Sousa Martins, Osvaldo Aliverti, Paulo Imbiriba Lisboa, Antônio Guerreiro Guimarães. Ronan Manoel Liberal Lira e Adelerme Maués Cavalcante.

 

Quando Santarém pôde voltar a escolher o seu mandatário, 19 anos depois da eleição anterior, em 1985, retomou plenamente a sua posição política de oposição. Elegeu José Ronaldo Campos de Souza, que surgira na política ao lado de Elias Ribeiro Pinto, o principal político da oposição.

 

Ele era do PMDB, partido pelo qual Elias se elegera, em 1966, derrotando o engenheiro e ex-prefeito Ubaldo Campos Correa, na mais expressiva vitória eleitoral da história municipal. Na época, Santarém era o segundo maior e mais importante município do Pará e o quarto da Amazônia, superando as demais capitais dos Estados da região.

 

O major Alacid Nunes, que assumira a prefeitura de Belém depois do golpe militar de 1964, eleito pelos vereadores da capital, conseguira uma esmagadora vitória para o governo do Estado, sobre o ex-governador e senador Alexandre Zacarias de Assunção, que era marechal (da reserva) do exército, graças ao apoio do então governador, o tenente-coronel Jarbas Passarinho (que se elegeria senador, também pelo voto direto, no ano seguinte).

 

A derrota para o PMDB em Santarém passou a ser uma espinha atravessada na garganta de Alacid, conhecido pela sua truculência no exercício de função pública. Elias Pinto não conseguiu completar um semestre na prefeitura e foi afastado do cargo pela maioria dos vereadores. A Arena, partido do governo militar, tinha 9 dos 12 vereadores. Assim, aprovou o afastamento do prefeito para apurar denúncias de irregularidades feitas contra ele.

 

Alacid (atuando junto com Ubaldo Correa) patrocinou a investigação promovida pelo Tribunal. O trabalho deveria ser concluído rapidamente. Afinal, o prefeito cumprira apenas 15% dos seu mandato. As irregularidades encontradas eram todas sanáveis e comuns na administração pública. Quando muito, justificavam advertência ou multa. Não a cassação de mandato, que era o objetivo do governador.

 

Examinando os fundamentos de um mandado de segurança impetrado por Elias Pinto, o juiz Manoel Christo Alves, que respondia pela comarca de Santarém, acéfala na ocasião, determinou a recondução do prefeito ao cargo. Ao invés de recorrer da decisão, o governador Alacid Nunes, sabendo que Elias pretendia dar cumprimento à sentença de imediato, com o apoio do brigadeiro (da reserva) e deputado federal (pela Arena) Haroldo Veloso, mandou para Santarém 150 homens da Polícia Militar, sob o comando do tenente (da reserva) Lauro Viana, delegado de polícia, famoso por sua violência.

 

A ordem era não permitir a posse e prender os líderes de uma passeata convocada para levar Elias e Veloso até a sede da prefeitura. Quando, no dia 20 se setembro de 1968, a multidão, calculada em quase cinco mil pessoas, se aproximou do prédio, a tropa, obedecendo à ordem de comando de Lauro Viana, atirou, matando três pessoas e ferindo outras, inclusive Veloso. Elias escapou à perseguição, homiziando-se na casa de saúde São Sebastião.

 

Os crimes, que começaram a ser apurados, permaneceram impunes. Menos de três meses depois, o AI-5 arrematou o que ainda faltava de violência institucional para a ditadura ficar completa. E no ano seguinte, punida mais uma vez, Santarém perdeu o direito de escolher livremente o seu prefeito. Passado mais de meio século, esse período turbulento tem que ser lembrado. Talvez contribua para o município recuperar sua identidade política.

 

O ATO

DECRETO-LEI N.o 866 DE 12 DE SETEMBRO DE 1969

DECLARA DE INTERESSE DA SEGURANÇA NACIONAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 16, § 1.0, ALlNEA " B" DA CONSTITUIÇÃO, O MUNICÍPIO QUE ESPECIFICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Os Ministros da Marinha da Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 1° do Ato Institucional no 12, de 31 de agosto de 1969, combinado cc. o §1.0 do artigo 2° do Ato Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, decretam:

Art. 10 É declarado de interesse da Segurança Nacional, para os efeitos do disposto no artigo 16, § 10, alínea "b", da Constituição, o Município de Santarém, no Estado do Pará.

Art. 20 Ao Município referido no artigo anterior aplica-se o disposto nos artigos 20 até 50 e seus parágrafos da, Lei no 5.449de 4 de junho de 1968, alterada pelo Decreto-lei n." 560, de 29 de abril de 1969.

Art. 3.0 Este Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

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Elias Pinto é meu pai. Morreu em 1985, aos 60 anos.




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