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Sou operária da palavra, diz escritora Ana Maria Machado em visita a Santarém

Weldon Luciano - 08/09/2018

Ana Maria Machado: O problema não é a dificuldade de editar, o problema é a dificuldade de ser lido. -

A escritora Ana Maria Machado, membro da Academia Brasileira de Letras, ocupante da cadeira número 1, visitou Santarém esta semana. A imortal da ABL participou de um evento literário promovido pela Universidade Federal do Oeste do Pará ( UFOPA), realizado na Casa da Cultura.

Ela recebeu o repórter Weldon Luciano para uma conversa sobre literatura, cultura e participação feminina na Academia Brasileira de Letras.

Confira a entrevista:

Portal OESTADONET - Santarém recebeu sua visita para o VII Seminário do Lelit de Literatura infantil e Escola. Como é vir até a Amazônia e poder ter esse contato com o público?

Ana Maria Machado - Minha visita na região acaba sendo muito corrida, vim do aeroporto e fui direto para o hotel e depois para o evento, mas rapidamente avistei do avião o rio que é muito bonito. Conhecia Belém, mas nunca tinha vindo a Santarém. Vim por conta um convite do professor Percival da UFOPA, essa visita era para ter ocorrido no ano passado, mas não pude porque coincidiu com a data de um outro evento. Este ano fiz questão de vir, mesmo com a agenda aperta porque sei que o trabalho desenvolvido aqui é muito bom e conheço os resultados que o professor Percival com muito boas referências de outras pessoas que já vieram aqui. Vim prestigiar um lugar que está fazendo um trabalho excelente e fora dos grandes centros. 

Portal OESTADONET - Tratar de literatura com o público infanto juvenil, mais que uma arte é um desafio. Como fazer o gosto pela leitura não se perder em meio a tantos recursos áudio visuais e tecnológicos?

Ana Maria Machado - A academia vem num processo que não começou comigo. O Marcos Vinicius Vilaça, que foi presidente antes de mim, já começou a fazer uma abertura maior, ele trabalhou com escolas de samba no rio e tudo. Eu fiz um trabalho junto com as comunidades e por sorte foi o momento em que estavam sendo implantadas as UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) em parceria com o secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Beltrame. A partir daí, fizemos na academia, cursos para formação de técnicos auxiliares para as bibliotecas comunitárias e formamos 98 técnicos em biblioteconomia que passaram a trabalhar em comunidades de periferia e de favela, com o salário pago pela Federação das Indústrias Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que até hoje se mantém, caracterizando um trabalho de abertura. Temos outros trabalhos e a gente continua fazendo dentro da medida do possível. Nos últimos dois anos. Tem sido muito difícil para a academia em termos financeiros, porque a crise econômica do país e do Rio de janeiro tem sido muito acentuada e marcada pela violência, pelo afastamento das pessoas do centro do Rio. Não somos um órgão público e não recebemos um tostão do governo, pois a Academia é completamente autônoma e vivemos do aluguel de um edifício comercial com várias salas comerciais que estão desocupadas porque as empresas estão fugindo do Rio de Janeiro. Ficou mais difícil fazer certas coisas.

Portal OESTADONET - A cultura nacional vive um momento muito difícil, considerado por muitos como o pior em toda a história, com o corte de investimentos, a perda de acervos importantes como o museu nacional e outras situações lamentáveis. O que dizer sobre esse momento atual da cultura nacional?

Ana Maria Machado - Acho que a cultura está sentindo muito, mas não sei se é o pior momento. Sempre o pior setor é o da cultura. Isso sempre tem e acho muito impressionante como se limitam, por exemplo, na área de literatura infantil, tem sido limitada as compras governamentais de livros para as escolas nos últimos anos. Tem sido difícil para o cinema e muito difícil para o teatro conseguir financiamento. Meu marido é músico e faz parte do Boca Livre (Lourenço Baeta) e vejo como está seno mais difícil gravar e fazer shows e não é só de agora não. Isso não é exclusivo do governo Temer ou só por conta do teto de gastos. Isso vem desde de muito tempo. Claro, que nos anos 90 e começo dos anos 2000, ou seja, os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato do presidente Lula, foi um momento bom de expansão. Nunca se vendeu tantos livros, nunca se fez tanto shows. Logo após sentimos uma queda, então não é só de agora. Dentro de um contexto geral do país, a situação da cultura passou por uma série de distorções e ficou dependente do apoio governamental como única forma de financiamento, seja direta ou indiretamente pela Lei Rouanet, por renúncia fiscal. Outro dia eu estava conversando com a Fernanda Montenegro e ela mencionou um pouco disto, aliás está no livro dela, que o pessoal que fazia teatro algumas décadas atrás ia atrás de recurso com a iniciativa privada de vários que ajudava a sustentar e hoje não é mais assim. É lamentável a situação atual, mas não acho justo botar a culpa nos acontecimentos dos últimos dois anos.

Portal OESTADONET - É difícil ser escritor no Brasil?

Ana Maria Machado - Tudo é complicado no Brasil, mas acho que você consegue. Hoje em dia, com a internet, você consegue ter visibilidade. O problema não é a dificuldade de editar, o problema é a dificuldade de ser lido. Temos poucos leitores no Brasil, então todos temos que disputar o mesmo público e um público que não lê. A média de livros lidos pelos brasileiros é muito baixa, por isso fica difícil.

Portal OESTADONET - Em 2019, a senhora completa 50 anos de atividades. Como descrever todos esses anos de dedicação a escrita?

Ana Maria Machado - Não costumo me descrever, deixo isso para a crítica. Gosto de escrever e escrevo, não fico muito preocupada em me classificar. Sou uma operária da palavra e trabalho muito há 50 anos, tenho mais de 100 livros publicados e editados em vários países. Escrevo para adulto, para criança, jornalismo, ficção. Escrever faz parte da minha trajetória e faço com muito orgulho.          

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Considerada pela crítica como uma das mais versáteis e completas das escritoras brasileiras contemporâneas, a carioca Ana Maria Machado ocupa a cadeira numero 1 da Academia Brasileira de Letras, que presidiu de 2011 a 2013. Ana Maria nasceu em Santa Tereza, Rio de Janeiro, a 24 de dezembro de 1941. É casada com o músico Lourenço Baeta, do quarteto Boca Livre, tendo o casal uma filha. Do casamento anterior com o médico Álvaro Machado, Ana Maria teve dois filhos.

Na sua carreira, os números são generosos. São 49 anos escrevendo, mais de cem livros publicados (dos quais 9 romances e 8 de ensaios), mais de vinte milhões de exemplares vendidos, publicados em vinte idiomas e 26 países. Os prêmios conquistados ao longo da carreira também são muitos, de se perder a conta. Entre eles, 3 Jabutis, o Machado de Assis da ABL em 2001 para conjunto da obra, o Machado de Assis da Biblioteca Nacional para romance, o Casa de Las Americas ( 1980, Cuba), o Hans Christian Andersen, internacional, pelo conjunto de sua obra infantil (2000), o Príncipe Claus (Holanda), o Iberoamericano SM de Literatura Infantojuvenil(2012) , o Zaffari & Bourbon (2013) por melhor romance do Biênio em língua portuguesa . Foi também agraciada, em alguns casos mais de uma vez, com láureas como : Premio Bienal de SP, João de Barro, APCA, Cecilia Meireles, O Melhor para o Jovem, O Melhor para a Criança, Otavio de Faria, Adolfo Aizen, e menções no APPLE (Association Pour la Promotion du Livre pour Enfants, Instituto Jean Piaget, Génève), no Cocori (Costa Rica), no FÉE (Fondation Espace Enfants, Suiça) e Americas Award (Estados Unidos).

Também foi editora, uma das sócias da Quinteto Editorial, junto com Ruth Rocha. Há mais de três décadas vem exercendo intensa atividade na promoção da leitura e fomento do livro, tendo dado consultorias, seminários da UNESCO em diferentes países e sido vice-presidente do IBBY (International Board on Books for Young People). Na presidência da Academia Brasileira de Letras deu especial ênfase a programas sociais de expansão do acesso ao livro e à leitura nas periferias e comunidades carentes.




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